CRÍTICA

Será que a garotinha americana vai ganha o Oscar?

Quvenzhané Wallis tinha apenas 6 anos quando protagonizou "Indomável Sonhadora"

João Nunes
23/02/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 03:36
Cena do filme "Indomável Sonhadora" (Divulgação)

Cena do filme "Indomável Sonhadora" (Divulgação)

Quem não se sensibiliza com uma garota de 6 anos, inteligente, perspicaz, que age feito adulto, tem discurso elaborado e, ainda por cima, chora (com direito a close nos olhos) diante do pai doente? Não bastasse tudo isso, o cenário é a devastação provocada pelo furacão Katrina, em 2005, que atingiu em particular a região de Nova Orleans, nos Estados Unidos.

'Indomável Sonhadora' ('Beasts of the Southern Wild', Estados Unidos, 2012), do jovem estreante Benh Zeitlin, provocou comoção quando exibido em Sundance — o mais importante festival independente do mundo —, onde recebeu o prêmio do Júri, além de ter sido premiado em Cannes. Não era para tanto. E não por causa da tragédia que, com razão, emocionou o mundo.

No cinema, narrado em tom fabular, o diretor pesa a mão em contexto que nem precisaria. Afinal, o drama está subentendido desde o primeiro minuto em que aparece a garota Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) — indicada ao Oscar pelo papel e que merece comentário à parte.

Ela está bem dirigida, mas não atua. Brinca — mesmo levando em conta que atuar tem a ver com jogo. Portanto, o ator joga. Mas, aos 6 anos (hoje, com 9), Quvenzhané Wallis não tem consciência de que faz cinema nem das repercussões que viriam, como a ovação em Sundance e a indicação ao Oscar.

A garota nem ao menos sabe o que será na vida. Talvez seja atriz. Talvez astronauta. Ninguém sabe nada da vida aos 6 anos, mas a Academia de Hollywood resolveu indicar/consagrar a garota para o prêmio mais famoso do cinema. Exagero que não tira os méritos da menina que vemos na tela. Cinema é imagem em movimento e quando ela surge ocorre o encantamento não apenas pela beleza de Quvenzhané Wallis, mas pela exuberância do olhar e das expressões e dos gestos.

Hushpuppy vive com o pai Wink (Dwight Henry, igualmente convincente no papel) às margens de um rio na comunidade Banheira, agora, transformada em área de risco. Um dia, o pai descobre que está muito doente, mas prescinde de ajuda médica e começa a ensinar a menina a sobreviver para quando ele não esteja mais presente.

A direção abusa da exploração da câmera na mão, mas isto não constitui o maior problema. Este se concentra na abordagem do tema. O terreno, como se disse, é fabular, pois a narração fica com a garota e ela está o tempo todo com os olhos voltados para um mundo bem mais amplo: o universo. E aqui cabe poesia. Mas quase sempre o diretor expande em demasia o olhar poético.

E tal expansão passa pela ecologia (calotas geladas derretendo, como se estas fossem a causa do furacão), pela resistência burra do pai e dos amigos dele em não saírem da área degradada, correndo todo o tipo de riscos (e, ademais, há uma criança a ser cuidada), pelo apego ao caos, como se nele houvesse algum tipo de redenção — o pai enfrenta o furacão dando-lhe tiros (pode até servir ao tal olhar poético, mas beira o patético) — e, por fim, pelo clima apocalíptico.

Tudo isto cabe, mas o fio da navalha adotado pelo diretor quase decompõe o filme. Menos mal que há oscilações: momentos quase piegas das calotas se derretendo, momentos grandiosos da tempestade. Porém, os primeiros dominam a cena, pois os pobres de New Orleans são vítimas (e claro que são), mas ganham olhar piedoso do diretor.

Não por acaso Sundance se comoveu. É fácil se emocionar com grandes tragédias; os jornais da TV ajudam a transportar nossas próprias dores para a dor alheia (mas anônima), que se desfaz em simples movimento do controle remoto.

'Indomável Sonhadora' — título bem ruim para algo como 'Bestas do Sudeste Selvagem', o original — até pode ser apreciado pela linguagem, seu grande trunfo (dispensa o linear e o realismo), mas fica a um passo da tênue fronteira que nos separa de filmes que se notabilizam apenas por serem cheios de boas intenções.

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