Coração da Itália, abriga geografia e clima aprazíveis, patrimônio artístico, culinária e o melhor vinho do Brasil
Se, de fato, todos os caminhos levam à Roma, não é menos verdade que sempre existirão boas razões para dar uma paradinha estratégica na Toscana. Localizada física e simbolicamente no coração da Itália, a região é uma das poucas capazes, na Europa, de oferecer uma combinação tão afinada de geografia e clima aprazíveis, patrimônio artístico a perder de vista e gastronomia inigualável. Principalmente quando acompanhada de um bom e velho chianti, vinho que é quase unanimidade nacional. Acalentada há tempos, minha mais recente incursão pelas terras de Dante Alighieri, entre tantos outros italianos ilustres, se deu em abril deste ano, no comecinho da primavera. Época de céu claro e temperaturas amenas, em torno dos 22°, capazes de tornar qualquer passeio ao ar livre ainda mais convidativo e qualquer inevitável fila de espera, um pouco mais tolerável. Especialmente no meu caso, que vinha de uma semana de trabalho intenso na vizinha, ao menos para padrões brasileiros, Milão? Durou apenas três dias, mas fez meu coração bater forte. Tanto quanto há 20 anos, quando no auge da minha fase de mochileiro, visitei pela primeira vez a Toscana. Trago de lá a memória da luminosidade única, quase irreal, que emana de suas muitas colinas. A sensação do vento fresco batendo no rosto, a cada passeio por entre vales cobertos de videiras (e flores). A lembrança de um contato mais íntimo, ainda que breve, com algumas das mais caras e cultuadas tradições italianas: a arte e a vinicultura. Como acontece com nove entre dez roteiros que percorrem a região, Florença foi a cidade por nós escolhida como base. Sonhando com brindes ao pôr do sol - e, ao mesmo tempo, interessados em driblar a alta concentração de turistas em visita aos principais monumentos e museus -, optamos por reservar as manhãs para conhecer o patrimônio artístico da cidade, deixando as tardes para explorar as vinícolas da região. Partindo da capital do Renascimento é possível se atingir, de carro, em menos de duas horas, cidades do porte de Siena e Arezzo. Conhecer a Torre de Pisa, as muralhas de San Gimignano, a medieval Volterra. Amantes do vinho, como eu, também não têm do que se queixar: as regiões produtoras do Chianti, Montalcino e Montepulciano estão a poucos quilômetros uma da outra. Isso sem considerar as pequenas cidades que vão surgindo ao longo do caminho e que, muitas vezes, nem sequer constam dos mapas turísticos, mas valem a parada. Tudo vai depender de seus interesses e disponibilidade. Com uma excelente infraestrutura turística, na região central de Florença é possível encontrar agências como a Florence Tours (florencetours.work), que oferecem tours totalmente customizados em termos de duração, atrações e meio de locomoção, inclusive para outras regiões. Por lá, além de alugar um carro (nossa opção de transporte), pegar um ônibus de excursão ou integrar um grupo de ciclistas, trechos da cidade e de seus arredores podem ser percorridos, por exemplo, a bordo de uma italianíssima Vespa - o tour pode ser realizado com ou sem motorista por, respectivamente, 100 e 75 euros. Não que nossa estratégia não tenha sido bem sucedida. Ver o sol desaparecer em meio a um mar de colinas é, de fato, uma experiência da 'non dimenticare' (ou inesquecível, como dizem os italianos). Assim como o fluxo de turistas nas primeiras horas em torno de áreas como a Piazza della Signoria e a Catedral de Santa Maria del Fiore, é consideravelmente menor do que ao longo do dia. Mas, de qualquer forma, longe de ser a única, foi a nossa experiência. Cabe a você descobrir a sua. Greve in Chianti: área nobre do vinho clássico Com um almoço substancial, composto por uma tábua de salames e outra de queijos pecorino, acompanhadas, naturalmente, de pão e vinho tinto da casa (4 euros a taça), a Antica Macelleria Falorni (falorni.it; Piazza Giacomo Matteotti, 66), na pequenina, mas acolhedora, Greve in Chianti, a 45 minutos de Florença, foi nossa porta de entrada para a zona do chianti clássico: uma das áreas produtoras de vinho mais nobres da Itália, situada entre as cidades de Florença, Siena, Arezzo e Pisa, que produz vinhos desde a época dos etruscos, mas que foi oficialmente demarcada apenas em 1716. Autóctone da Toscana, a sangiovese é a uva que predomina nos vinhos da região. Inclusive, é a partir de sua concentração em relação a outras cepas, sobretudo a merlot e a cabernet, que os vinhos se dividem, grosso modo, em chiantis, aqueles com no mínimo 70% da uva, e chiantis clássicos, com ao menos 80%. Mas existem outras subdivisões em função do tempo de envelhecimento. De qualquer forma, o jeito mais simples e fácil de reconhecer se um vinho é de fato um chianti clássico é procurar na garrafa o selo do 'gallo nero' (galo negro). Segundo os locais, a escolha da ave-símbolo tem a ver com uma antiga lenda sobre animais usados para resolver conflitos em divisões de terra. Os chianti definitivamente parecem ter nascido para acompanhar comida italiana. Encorpados e elegantes, eles se harmonizam bem com queijos, salames, carnes e massas acompanhadas por molhos à base de tomate. Não por acaso, alguns dos ingredientes típicos da culinária toscana. Situada a cerca de 20 minutos de Greve in Chianti, em Mercatale Val di Pesa, nossa primeira parada, a vinícola Tenuta del Palagio (tenutadelpalagio.com; Via Campoli, 104) produz vinhos há mais de 200 anos. Acompanhada de queijo pecorino, bolachas e azeite de oliva produzido no local, nossa degustação(14 euros por pessoa) envolveu 5 tipos diferentes de vinho dos 15 rótulos em produção, 12 deles chianti clássicos. Com 95% de sangiovese e envelhecido 12 anos em barril de carvalho, a versão reserva da casa se impôs pela robustez. Muito embora um despretensioso Pinot Grigio 2017, servido na entrada, não tenha decepcionado, sobretudo pelo seu frescor em uma tarde quente. Com um passeio pela propriedade, que reluzia ao sol, e uma breve passagem pela cave, demos por encerrada nossa visita e, mapa em punho, partimos rumo à Tenuta Riseccoli (riseccoli.net; Via Convertoie, Greve in Chianti), distante cerca de 20 minutos dali, uma típica cantina italiana, repleta de flores, onde fomos muito bem recebidos e degustamos três vinhos. O melhor deles, um chianti clássico, obtido pela mistura de Sangiovese (85%) com merlot e cabernet sauvignon (15%). Além de provarmos o azeite extravirgem que é feito no local, aproveitamos a ocasião para abastecer nossa adega particular, adquirindo três garrafas do nosso vinho favorito, por 13 euros cada. De volta para o hotel, nosso trajeto durou quase duas horas. Poderia ter sido feito em uma, mas foi o tempo necessário para nos proporcionar o pôr do sol que tanto imaginávamos, além de uma parada não programada: o Cemitério e Memorial Americano de Florença (Via Cassia, 50023 Tavarnuzze, Impruneta).?Uma ampla área de sepultamento, outrora campo de batalha, onde milhares de soldados norte-americanos perderam suas vidas durante a Segunda Guerra Mundial. Logo à entrada, um painel informa que nada menos que 4.402 lápides estão dispostas ali, em curvas simétricas ao longo da colina. Uma visão um tanto quanto desconcertante, sobretudo em face da serenidade da paisagem, mas que, assim como os momentos de glória, não pode ser dissociada da história recente da Toscana.