Capa do disco "Son of Roge?s Gallery" (Divulgação)
O produtor Hal Willner é especialista em releituras inusitadas. Desde os anos 80, sua discografia repensa o gênero com tributos de alto nível a nomes tão díspares quanto Thelonious Monk e Walt Disney. Basta ouvir sua produção do tema dos sete anões, cantado por Tom Waits, no disco 'Stay Awake: Reinterpretations of the Music of Walt Disney '(infelizmente fora de catálogo, mas com faixas disponíveis no YouTube) para compreender o patamar artístico em que transita. Na faixa em questão, Waits transforma 'Heigh Ho' em um hino bêbado e sombrio à labuta mineradora; canta o clássico infantil como se integrasse uma gangue de presidiários acorrentados a uma estrada de ferro. No mesmo disco Sun Ra interpreta 'Pink Elephants on Parade', de Dumbo, com um balanço doidivanas - perfeito acompanhamento para a lisérgica cena do filme. Por fim, uma intimista Sinead O’ Connor dá a cereja ao tributo em versão folk, voz e violão de 'Someday My Prince Will Come', também de Branca de Neve e os Sete Anões.
Combinações inesperadas estão no cerne da discografia de Willner. Quando não produzem algo mirabolante, valem simplesmente pela curiosidade e audácia com que são concebidas. Weird Nightmare: Meditations on Charles Mingus, traz interpretação de Keith Richards para o blues Oh Lord Don’t Let Them Drop That Atomic Bomb on Me, e uma leitura sem melodia ou ritmo de Gunslinging Birds, feita pelo rapper Chuck D. Um grupo de feras, como Branford Marsalis e Carla Bley tocam em seu tributo a Nino Rota; Peter Frampton participa de sua homenagem a Thelonious Monk.
Outros discos - com a música de Kurt Weill ou Harold Arlen - também retratam o talento de Willner para escalar combinações de repertório e intérpretes efervescentes, além de seus trabalhos com as poesias de William Burroughs e Alan Ginsberg.
O último dessa linhagem é Son of Rogue’s Gallery, uma coleção de cantigas de piratas interpretada por músicos que vão de Patti Smith a Tom Waits. O disco chega ao mercado por meio da gravadora ANTI. Trata-se de uma continuação de Rogue’s Gallery, de 2006, disco que surgiu de uma ideia de Johnny Depp e Gore Verbinsky, diretor de Piratas do Caribe, na época em que o blockbuster estava em alta. Embora ambos os discos sejam frutos de uma empreitada cinematográfica maximalista, a escalação não abre mão do elenco cult e variado de sempre.
No primeiro Rogue’s Gallery os músicos foram de Bono, Bryan Ferry e Sting ao guitarrista de jazz Bill Frisell e o ator John C. Reilly. O novo traz Waits e Shane Macgowan, dos Pogues, entre outros, com um line-up menos galáctico mas igualmente interessante. O disco é composto por 36 faixas, uma quantidade anormal, mas não entediante, se considerarmos a média de dois minutos por faixa. No repertório, pincelado através de uma extensa pesquisa feita por Willner, obscenas cantigas de trabalho, refrões de taverna, e o pugilismo lírico do métier.
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