Ele luta para que a arte à qual se dedica seja reconhecida como algo além do mero entretenimento
Titeriteiro, escritor, dramaturgo, diretor e teórico, Rafael Curci, uruguaio com formação na Argentina e que está em Campinas desde 2007, completa 30 anos de atividades voltadas ao teatro de animação. Diretor artístico da companhia Fios de Sombra, o artista avalia que o Brasil tem muito potencial para atuar com teatro de bonecos, mas padece da ausência quase total de locais de formação nesta técnica. Para Curci, teatro de bonecos não é só uma brincadeira. “A tarefa do teatro para crianças na atualidade é a de formar seres mais sensíveis, mais dispostos a escutar, a entender, a estimular sua capacidade de imaginar”, afirma.
Confira abaixo alguns trechos da entrevista que pode ser lida na íntegra na edição desta quinta-feira (20) do Correio Popular.
Caderno C — Como surgiu seu interesse em teatro de bonecos?
Rafael Curci — Quando criança inventava meus próprios brinquedos, fazia arcos e flechas, desenhava e modelava dinossauros, construía carros de rolimãs, pipas, barcos a vela e bonecos de madeira articulados. Não só os criava e animava, mas imaginava mundos e universos para poder brincar inventando histórias com eles. Atualmente, no teatro de animação faço a mesma coisa, só que com um compromisso e uma projeção estritamente artística e profissional. Meus primeiros mestres foram meninos que tinham três ou quatro anos mais que eu.
Como foi sua vinda para Campinas?
Cheguei convidado pelo grupo Seres de Luz para concretizar uma montagem tão atrativa como complexa. Eles me confiaram a dramaturgia e a direção de um espetáculo que acabou se chamandoConvocadores de Estrelas. Isso foi em 2007.
E a criação da sua companhia, a Fios de Sombra, como se deu?
A companhia foi uma ideia de Lucas Rodrigues, que naquela época trabalhava comigo como iluminador na Companhia Odelê, a Casa dos Gestos. Ele chegou num momento difícil, a companhia estava se dissolvendo, eu estava exausto e preocupado com as dificuldades para levar adiante os inúmeros compromissos. Não queria mais saber de grupos. Mas Lucas, que além de iluminador é ator, insistiu para que eu tentasse mais uma vez. E aqui estamos.
Qual o foco principal do seu trabalho?
Minha busca é que tanto os espectadores como as instituições que nos contratam compreendam que o teatro de animação não é só brincadeira. Não é distração ou diversão supérflua e muito menos entretenimento ocasional. É uma disciplina artística que tem que ser levada em consideração não como uma arte menor e sim como arte em si mesma. Temos que acabar de vez com os velhos esquemas de apresentação. Não precisamos incentivar as crianças para que respondam fisicamente batendo palmas, pulando nas cadeiras ou cantando uma canção boba. Nosso foco é estimular sua disposição natural pela imaginação, incitar sua capacidade lúdica e representacional para que possa efetuar infinitas leituras simbólicas. Nossa tarefa como artistas é gerar consciência.
Quais espetáculos estão no repertório da Fios de Sombra?
Dos outros grupos, 'Um Ratinho e a Lua' e 'Uma Noite em Claro'. O espetáculo que inaugurou esta nova agrupação foi 'Anjo de Papel', realizado na técnica de teatro de sombras e transparências. Depois vieram 'Cinza, para adultos, e 'Maresias'. Nossa metodologia de trabalho se baseia na pesquisa e desenvolvimento de distintas dramaturgias e técnicas de animação para cada espetáculo. Assim se originou nosso novo trabalho,Do Fundo do Mar, que é encenado através do Teatro Lambe-lambe (técnica similar à dos antigos fotógrafos Lambe-lambe), que ocupa um espaço cênico mínimo formado por um palco em miniatura, dentro de uma caixa de dimensões reduzidas. Nesse espaço são apresentadas peças teatrais de curta duração para um espectador por vez.
Como avalia a situação do teatro de bonecos no Brasil?
O Brasil é um País generoso e gigantesco, com uma diversidade cultural surpreendente e maravilhosa, em que políticas socioculturais variam segundo a região, os recursos e as pessoas. O teatro de animação em geral sobrevive pelo esforço de grupos e companhias que tentam criar, produzir, divulgar e ao mesmo tempo sobreviver com seu trabalho, assumindo todo tipo de riscos, altos custos e condições precárias. Os políticos e gestores culturais têm que entender que investir em distração e entretenimento não é investimento, é gasto, pois os retornos são sempre pouco substanciais. Fazer arte e promover cultura não é a execução de uma série de eventos individuais e fortuitos, e, sim, um processo. E estes só terão bons resultados quando se manifestarem de maneira contínua, focada, empregando-se elementos das mais variadas formas de manifestações culturais, mediante leis e incentivos que favoreçam a produção artística.
Como vê a produção teatral de Campinas?
A produção teatral em Campinas é fabulosa. Temos grupos aqui que são referência indiscutível pela sua qualidade artística e nível de produção. Mas a atividade teatral e a atividade cultural em geral é fruto do esforço dos próprios artistas locais, que trabalham a partir da resistência e em total desamparo. Dias atrás participei com outros colegas e amigos campineiros de um debate público na Câmara Municipal destinado a criar e dar forma a uma nova lei de fomento para as artes da cena. Lá no fundo podemos enxergar finalmente uma pequena luz de esperança. Agora depende do bom critério e da participação ativa dos artistas para que esse projeto se torne realidade.