AUTORES

Pseudônimo: recurso utilizado há séculos por famosos

Garantir a própria segurança é apenas um dos motivos apontados por escritores que o utilizaram

Fábio Trindade
fabio.silveira@rac.com.br
04/08/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 06:38

O jornalista e escritor Nelson Rodrigues publicou histórias folhetinescas sob o pseudônimo de Suzana Flag ( Cedoc/RAC)

Conhecida por ser a primeira escritora a ficar bilionária, J. K. Rowling construiu seu patrimônio graças a sete livros sobre o bruxo Harry Potter, tornando o personagem um ícone mundial e, de quebra, estrela da mais bem-sucedida saga cinematográfica da história. Por isso, quando ela anunciou que lançaria seu primeiro romance adulto, Morte Súbita (Nova Fronteira, 504 págs.., R$ 29,90), a expectativa era de sucesso absoluto. Porém, a obra não foi recebida com unanimidade pela crítica e chegou a ser chamada de enfadonha. Com tanto status, a britânica sempre soube que passaria por todo tipo de aprovação com qualquer coisa que fizesse. Não há escapatória. Bom, na verdade, há.Rowling usou de um recurso literário antigo para se sentir livre novamente como escritora, sem julgamentos, avaliações, cobranças e tudo mais que acompanha o sucesso. Ela criou um pseudônimo. O livro chamado The Cuckoo’s Calling foi lançado sob a autoria de Robert Galbraith, mas, para a infelicidade da escritora, os tempos mudaram e não é mais tão simples assim criar uma identidade falsa como antes. A artimanha foi descoberta e virou notícia no mundo. Um dos sócios do escritório de advocacia Russell, de Londres, contou a uma amiga, Judith Callegari, que Rowling era Galbraith. Ela repassou a informação para o jornal britânico The Sunday Times que, por sua vez, procurou o professor Peter Millican, da Universidade de Oxford, criador de um software chamado Signature (Assinatura, em português), capaz de analisar estilos e o uso de palavras de um texto, para avaliar The Cuckoo’s Calling, Harry Potter e as Relíquias da Morte e Morte Súbita. A conclusão foi certeira.Com o anúncio, no mês passado, sobrou para Rowling apenas a confissão, em seu site oficial. “Eu esperava manter esse segredo um pouco mais, porque ser Robert Galbraith foi uma experiência libertadora”, disse. Horas depois, o livro estava no topo dos mais vendidos da Amazon no Reino Unido e é aguardado por aqui. Tanto que a obra já tem previsão de lançamento no Brasil: novembro de 2013, pela editora Rocco. O curioso é que a Rocco é a responsável pela publicação da série Harry Potter no País, e, por sorte, adquiriu os direitos de publicação de The Cuckoo’s Calling em março, meses antes da revelação da autoria de Rowling.Mas se uma fofoqueira e o uso da tecnologia estragaram a festa da inglesa, como dito, assinar obras com um nome que não é o seu faz sucesso no meio literário e muitos de seus colegas deitam e rolam com o recurso há séculos — literalmente — por inúmeros motivos: expandir estilos literários; dar opiniões sem “se mostrar”, principalmente políticas; fugir de questões sociais, como mulheres se aventurando em romances; regras editoriais; e por aí vai.Na literatura brasileira, talvez o caso mais famoso seja o de Suzana Flag. A “escritora” publicou diversos folhetins nos jornais brasileiros entre 1944 e 1948, oferecendo aos leitores mocinhas inocentes, rapazes apaixonados e vilões cruéis. Um perfil totalmente oposto do polêmico escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, tido muitas vezes como machista e misógeno. Conhecido pelo jeito ácido de escrever, mas com vontade de se aventurar pelo melodrama, a única forma encontrada por ele para suprir as duas necessidades foi criar Suzana Flag.“O poeta ou escritor geralmente não adota apenas um outro nome, é como se ele incorporasse uma nova personalidade. No começo, pode ser simplesmente para criar algo diferente, sem cobrança, por medo ou qualquer outro motivo, mas, depois, o pseudônimo passa a corresponde a sua identidade poética, ou parte dela”, explica o docente e especialista em literatura da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rogério Chociay.Como exemplo, ele cita Fernando Pessoa. O poeta português era, na verdade, vários. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis são famosos e objetos de estudo até hoje, por serem extremamente complexos. Enquanto Alberto Caeiro escrevia poesias mais simples, mas com complexidade filosófica, Ricardo Reis ia pelo caminho clássico, sem esconder a influência grega. “Ele sentiu que podia agrupar muitos de seus poemas pela unidade temática, pela concepção, em personalidades distintas. Isso se tornou um modo até de concepção e construção de suas poesias”, lembra Chociay.No caso de Pessoa, é importante ressaltar ainda a diferença entre pseudônimo e heterônimo. O primeiro termo é um nome falso, sob o qual alguém se oculta por uma circunstância qualquer. Já o significado do segundo vai além: é um outro nome, uma outra personalidade, outra individualidade, diferente, portanto, do criador. Ou seja, o autor assume outras personalidades como se fossem pessoas reais, assim como fez Pessoa. ExperiênciasO professor Rogério Chociay, na década de 1980, mais do que estudar o assunto, precisou usufruir dessa experiência. Nessa época, quando era docente da Unesp de Bauru e passava por um momento de insatisfação, ele resolveu fazer poesia satírica. “Mas eu sofri muita pressão na época por falar mal da universidade, dentro da universidade. Sem contar que estávamos praticamente dentro da ditadura e tudo era arriscado na época. Por uma questão de segurança, eu passei a colocar o nome R. Pius em tudo o que eu escrevia. Foi uma atitude interessante e prazerosa, tanto que quando percebi que podia criar uma personalidade para fazer paródias, eu usei muito esse recurso.” Os textos viraram, em 2004, o livro As Centúrias de R. Pius (Ibis, 109 págs., R$ 14,90).Garantir a própria segurança é apenas um dos motivos apontados por escritores famosos que criaram pseudônimos.

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