Madri

Prado busca olhares do presente

Novos ventos sopram na mais importante instituição artística da Espanha, que faz 200 anos

Estadão Conteúdo
28/08/2019 às 12:56.
Atualizado em 30/03/2022 às 18:02

Queridas Ana e Sofonisba, escrevo desde o futuro, do século 21, para ser exata. Vocês gostariam de saber que lembramos de vocês. De ti, Ana, porque foi mulher, mãe e esposa de reis. De ti, Sofonisba, porque era uma das poucas mulheres que aparecem nos livros de história da arte - vestida, digo. E isso apesar de a maioria de seus quadros ter sido erroneamente atribuídos a homens.” Ao lado do quadro Retrato da Rainha Ana de Áustria, pintado pela artista renascentista Sofonisba Anguissola em 1573, li o trecho da carta aberta. Escrita por uma visitante, como eu e você, o texto faz parte de uma das ações mais interessantes que o Museu do Prado criou para celebrar seus 200 anos, a serem completados no próximo 19 de novembro. Além de legendas pensadas pelo público, exposições especiais com seu acervo têm sido montadas desde o ano passado para recordar sua história e de suas principais obras e artistas - na lista dos famosos estão Velázquez, Ticiano, El Bosco, Rubens, Caravaggio, El Greco, Rembrandt, entre outros. A festa deste aniversário, contudo, não é só do Prado. Afinal, a cada esquina de Madri, um grafite, uma casa de escritor, um teatro ou um tablado de flamenco deve algo a seu mais antigo museu. Por outro lado, como organismo vivo, capaz de contrapor olhares do passado e do presente num mesmo espaço e tempo - o que diriam as mulheres dos 1500 sobre o feminismo de nossos tempos? - um museu não sobrevive sozinho e nem está imune às transformações que o cerca. Em janeiro de 1989, quando o Prado completava 170 anos, refletia-se sobre os ventos que estavam mudando o Museu do Prado. Discutiam-se os novos desafios da mais importante instituição artística da Espanha. Apesar de seu enorme acervo, só agora o museu começa a sair da letargia em que esteve mergulhado no período do generalíssimo Francisco Franco. A mudança não se faz sem dores. Eram tempos de esperança, e, assim como nós, brasileiros, os espanhóis discutiam os rumos de sua redemocratização e identidade depois de tantas cenas de dor - nas Guerras Mundiais; na Guerra Civil; na ditadura franquista. Foi inclusive naquela década de 80 que uma das pinturas mais importantes da história retornava à Madri. Guernica, produzida por Picasso em 1937, foi exilada em Nova York a pedido do pintor até que a democracia retornasse a seu país. Quando voltou, sua primeira casa foi o Prado. Mas havia dificuldades de espaço e de dinheiro. Reformar o Palácio Villanueva, sede do museu, era necessário. As obras exigidas ocorreram. Mas, mais do que anexos, foram os novos espaços culturais que surgiram ao longo desses dois séculos que ajudaram o Prado a crescer e se fortalecer. É o caso do Museu Thyssen-Bornemisza, cuja coleção impressiona: apesar de menor, é, por isso, mais ampla cronologicamente do que a do Prado. Após muita discussão, até hoje acesa, este último transferiu suas obras contemporâneas para outras instituições. Assim, desde 1992, Guernica vive numa sala só sua no Museu Reina Sofía, outro grande centro de arte da capital que, ao lado do Prado e do Thyssen, forma a Santíssima Trindade dos museus madrilenhos. Por isso, pedimos licença para nos juntarmos à festa do bicentenário abrindo a porta do acervo deste senhor museu. E, a partir dela, levar o leitor a outras tantas portas que surgiram em nosso roteiro artístico pela capital, algumas imprevisíveis e surpreendentes. Será uma viagem por galerias tão lindas quanto as pinceladas de Velázquez - e um convite a novos olhares e legendas para o que você encontrar. Praças, casas, bares e ruas contam história Bares antigos e descolados, muita gente na rua, lojas de roupa vintage, faixas de movimentos sociais. Poderia ser o boêmio bairro de Malasaña, mas esse tem nome de escritor: Tirso de Molina. Trata-se de um dos mais importantes autores espanhóis do século 16, criador de um personagem conhecido e sedutor: Don Juan. Passei por ali mais de uma vez durante a semana em Madri. Numa delas, encontrei a Sala Equis (salaequis.es), que à primeira vista, com um letreiro antigo e um espaço de garagem à frente, não parecia convidativa. Depois da porta abaixo do letreiro, contudo, abriu-se um enorme galpão iluminado por luz natural, com plantas correndo as paredes de concreto, cadeiras de praia e guarda-sóis, sofás e um bar-restaurante. Inaugurada no fim de 2017, a Sala Equis se define, muito precisamente, como praça coberta de cultura. Isso porque, além das salas de cinema que exibem filmes selecionados de acordo com cada ciclo mensal de debate e reflexão, possui essa área para encontros e eventos, comes e bebes. A REPÓRTER VIAJOU COM APOIO DA EXPEDIA E DO AIRBNB

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