ESTREIA

Porchat deixa zona de conforto do humor em 'Entre Abelhas'

Fábio Porchat interpreta um homem que passa a não enxergar as pessoas à sua volta: filme significa um salto na carreira do humorista, ator e roteirista

João Nunes/Especial para o Correio
30/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 15:04

Muito bom ver Fábio Porchat sair da chamada zona de conforto. Ele poderia continuar a investir naquilo que sabe fazer bem, o humor, e surfar no sucesso — e não haveria porque criticar a opção dele. No entanto, mesmo bem-sucedido, ele resolveu apostar num mínimo de ousadia. 'Entre Abelhas' (Brasil, 2014), apesar de ter sido concebido uma década atrás, junto com Ian SBF (também diretor), significa um salto na carreira do humorista, ator e roteirista. Admitido como estranho pela própria dupla, trata-se de um drama, ainda que a comédia esteja onipresente. Bruno (Fabio Porchat) jovem da faixa dos 30 anos acaba de se separar da mulher Regina (Giovanna Lancellotti). Está estressado e deprimido. Certo dia, ao sair do metrô, ele tropeça no ar; depois, esbarra no que não vê e muitas pessoas do entorno dele começam a desaparecer. Metáfora Os roteiristas não escondem a metáfora por trás da história, ao contrário, assumem: o personagem (como nós) está tão mergulhado no próprio mundo que as pessoas ficaram invisíveis. Por parecer óbvia demais, tem-se a impressão que o filme acoberta algo que, ao final, será revelado. Mas não. Porque uma vez explicitada a metáfora pelos próprios roteiristas, dispensa-se explicações sobre o mal que acomete o personagem e, com isso, torna possível brincar com o sério. É precisamente o que faz o roteiro. De modo mais incisivo concentra o humor em dois personagens: no amigo canalha de Bruno, Davi (o bom Marcos Veras), que faz constantes afirmações politicamente incorretas, e na mãe (a ótima Irene Ravache), que entrou no espírito do Porta dos Fundos (impossível não citá-lo; há quatro integrantes do grupo no filme) e protagoniza as melhores sequências. Alívio E há o humor involuntário do próprio Bruno e de Nildo (Luis Lobianco); este, convocado a fazer testes de “visibilidade” para o protagonista. Somados, vê-se que o filme não foge da descontração e a usa como alívio ao drama. Deste modo, alcança aqueles que podem se sentir órfãos das comédias encenadas por Fábio. Mas não só por isto. Ocorre que situação é tão absurda que provoca mesmo o riso — nunca a gargalhada — porque o problema de Bruno parece ridículo em tudo. Disto o roteiro tira partido e faz graça. Mas não percamos de vista que estamos no drama de um homem deprimido tentando reaver o antigo amor, que insiste em não querer nem falar em reatamento. Pistas Voltando à metáfora, também por causa dela fica mais fácil entender porque há mais questões que respostas no filme. Uma história de mistério, por exemplo, demandaria desfecho surpreendente ou bombástico. Em 'Entre Abelhas', o roteiro lança aqui e ali pistas que desembocam num final totalmente aberto. E nisto joga importante papel a garota de programa Rebeca (Leticia Lima). Um pouco porque estamos acostumados a receber tudo mastigado, o final proposto pode gerar incômodo porque se trata de um pequeno quebra-cabeça e, portanto, é muito diferente de quase tudo o que se conhece realizado por Fábio Porchat. Um desafio bem-vindo da parte dele, um desafio saudável para o público.

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