Artista conta sobre sua trajetória, que inclui aulas com Luiz Almeida da Anunciação
O multi-instrumentista Dalga Larrondo (Gustavo Tilio/Especial para a AAN)
Sua história musical começou com a bateria, violão e piano clássico, que estudou por vários anos. Mas um curso de férias com o percussionista Luiz Almeida da Anunciação fez a balança pender definitivamente para a percussão. Com formação em percussão clássica, o multi-instrumentista Dalga Larrondo, foi contratado como percussionista da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas antes de completar 18 anos, deu aulas de rítmica no curso de dança da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), se apresentou como solista no Carnegie Hall, interpretando a peça Exu, de Paulo Chagas, mas optou por um trabalho independente, em que busca a diversidade de linguagens artísticas, misturando música, dança, teatro e mímica. Enquanto se preparava para uma apresentação com sua banda, Hos Tio, fez uma pausa para conceder entrevista ao Caderno C. Caderno C — Como surgiu seu interesse pela percussão?Dalga Larrondo — Nada muito original. Como todo adolescente, queria tocar bateria, fiz um pouco de violão e depois passei para o piano clássico. Fiz uns três anos com um professor em São Paulo e quando vim para Campinas estudei com a Olga Lederman, que era professora do Conservatório (Carlos Gomes), mais uns três anos. Mas o ponto crucial do meu trabalho em cima da percussão, foi o encantamento que tive numa viagem, um curso de férias no Proarte, em Teresópolis (RJ). Tinha uns 16 anos. No curso conheci o percussionista Luiz Almeida da Anunciação, que é vivo ainda. É um percussionista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Fiquei encantado com o trabalho dele. Tinha o lance do piano, mas nunca com a ideia de virar um pianista mesmo, não era o sonho. Quando vi a percussão fiquei deslumbrado com aqueles instrumentos que não conhecia, com a marimba, os tambores. Fiz um curso de piano com a Deise Lucas e ela me sugeriu procurar o Cláudio Stephan que é um professor de percussão em São Paulo. Ele é o percussionista que iniciou o trabalho de percussão de grupo, no Conservatório Brooklin Paulista, no começo dos anos 70; e formou a primeira leva de percussionistas clássicos brasileiros. Logo em seguida, chegou o John Boudler, que começou a dar aula na Unesp (Universidade Estadual Paulista). Esse também é um grande professor e formou muitos dos percussionistas de música erudita. E você passou a estudar com eles?Estudei com o Stephan, mas não com o Boudler. Em 78 resolvi que queria estudar com o Pinduca (Anunciação), que me inspirou a fazer percussão. Ele morava no Rio, em Jacarepaguá. Eu ia duas vezes por mês para Jacarepaguá — pegava o ônibus às 7h, chegava na casa dele às 16h30, tinha aula até as 19h30, ia pro Rio, dormia e voltava pra Campinas. Fiz isso duas vezes por mês, por uns dois anos e meio. Nessa época já estava tocando na Sinfônica. Quando comecei a estudar com o Stephan, ele me disse que o Benito Juarez estava fazendo uma orquestra nova em Campinas. Eu fui “sapiá”, vi uns três ensaios. Aí surgiu uma peça em que faltava um percussionista. Como estava lá ele me chamou pra tocar. Toquei o ano de 75 inteiro com a orquestra. No final do ano ganhei meu primeiro cachê, não tinha nem 18 anos. No ano seguinte me contrataram pra tocar. Mas cansei de tocar em orquestra, queria fazer música de câmara, solo. Em 79 entrei na primeira turma de música da Unicamp. Fiquei um ano, mas era uma bagunça, não tinha sala. Não queria ficar mais na orquestra, nem na Unicamp.E aí você foi para a França?Isso. Fui estudar percussão no Conservatório Rueil-Malmaison. Lá fiquei impressionado, porque aqui a gente tocava com o que tinha na orquestra — toquei uns dois anos com um prato quebrado. Lá tinha instrumento pra tudo, uma superestrutura. Fiquei três anos e meio estudando, me formei, ganhei medalha de ouro. Voltando ao Brasil meu pesadelo era voltar pra orquestra, não queria. Até gostava, mas não como um emprego. Queria experimentar outras coisas?Isso mesmo, tocar em grupo de câmara. Na orquestra, o percussionista é um instrumentista limitado, principalmente numa que faz um repertório clássico, romântico. Ele mais conta compasso que toca. Contava 300 compassos e tocava dez notas (risos). O que você fez quando voltou?Estava desempregado. Não tinha espaço na orquestra e nem queria e também não tinha como dar aulas porque era meio do ano. Abri uma creperia. Tinha morado na França, sabia fazer um pouco de crepe e abri o Crepe Suzette. Fiquei dois anos com o Crepe. Depois de um ano, surgiu a possibilidade de dar aulas de rítmica no curso de dança da Unicamp. Não tive dúvida, fui pra universidade e um ano depois vendi o Crepe. Nessa época montei um grupo com o Orival (Boreli) e a Glória (Cunha, ambos percussionistas da Sinfônica). A gente tinha um trio chamado Taquara Rachada, de música contemporânea. Você criou também um simpósio de ritmo e percussão. Como foi isso?Isso foi mais tarde. Fiquei uns sete anos na Unicamp e saí. Aí fiz alguns trabalhos sociais na periferia. No final dos anos 90 o Sesc passou a investir na área cultural e comecei a fazer trabalhos em parceria. Tinha (tenho ainda) uma coleção grande de instrumentos. No final dos anos 90 fiz um estudo e descobri que tinha cerca de 30 países representados e resolvi montar uma exposição. Foi em 99, junto com o Sesc, no Museu da Cidade, na antiga Lidgerwood. Montei um mini-festival, porque tinha exposição, oficinas e apresentações. Desde o tempo da Unicamp montava trabalhos ligando a música com teatro e dança. O curso da França me mostrou essa outra cara da percussão, misturando com dança, teatro, mímica. Isso formou meu trabalho, numa linha interativa com as outras linguagens. Montei vários solos: Mão, Percussão pra quem Gosta, Porno-ritmo, Ora Bolas, espetáculos que misturavam as linguagens. Sou conhecido como percussionista cênico. E o simpósio?Em 92, o Boudler começou a fazer encontros de percussão a cada dois anos e participei de todos. Em 2000 sugeri fazer em Campinas. O pessoal topou e organizei o primeiro grande encontro internacional, ao qual dei o nome de Ritmos da Terra. Depois desse, ocorreram outros?Organizei em 2000, 2002, 2004 e 2008. Foram cinco festivais, contando o primeiro em 99, com o Sesc, que ajudou também em 2000 e 2002. E a Unicamp ajudou em todos eles. E por que parou?Porque era uma luta pra conseguir patrocínio, era uma organização não tão artística, era mais um trabalho de produtor, tinha que ligar pra todo mundo, investia um tempo muito grande como produtor. E a criação do Espaço Tugudum, como aconteceu?Veio de uma vontade minha, da Valéria (Franco, sua mulher) e dos amigos Diane (Ichimaru) e Marcelo (Rodrigues). Começou com a Confraria da Dança. Na época fiquei mais de apoio, porque tinha outros trabalhos. A Valéria ficou uns dois anos e depois saiu. Em seguida, em 99, pensamos em criar um espaço nosso, para trabalhar com nosso grupo. Alugamos um espaço na Rua Carlos Grimaldi e demos o nome de Tugudum. Conversando sobre nomes, pensamos em pegar uma onomatopeia que soasse percussiva, sonora e ficou Tugudum. Ficamos lá até 2003 e viemos para cá (Rua Maestro Francisco Manoel da Silva, 690, Santa Genebra). Que trabalhos desenvolvem aqui?Apresentações de espetáculos, cursos para crianças e adultos, produções e até mutirão que fazemos junto com a intersetorial do bairro. Todo ano fazemos um mutirão de limpeza. Isso por conta do Dr. Plástico, um espetáculo musical infantil.Fale um pouco do Dr. Plástico.É um espetáculo em que usamos sucata plástica pra construir os instrumentos. Surgiu em 2006, quando comecei a trabalhar algumas esquetes com garrafas, coisas plásticas, conduítes, galões e pensei em fazer algo em cima desse material, que é muito sonoro. Fiz como solo até 2010 e aí convidei o Coré (Valente) pra participar, bateu legal e estamos até hoje, inclusive com vários subprodutos. Tem uma exposição e um CD com as músicas do espetáculo, que queremos produzir. E tem essa relação com o meio ambiente que desenvolvemos no bairro. Você também está desenvolvendo um trabalho com música, com a banda Hos Tio. O que é esse nome?O nome joga com duas ideias, da hostilidade e com a de que somos todos “tiozinhos” (risos) fazendo rock. Vamos gravar um CD, ganhamos o Ficc (Fundo de Incentivo à Cultura de Campinas) e entramos em estúdio no final de setembro. Ganhamos o Ficc e vamos gravar. A banda está meio que explodindo. Gravamos um clipe, fizemos um pequeno DVD na estreia e vamos gravar o CD, tudo em um ano. Mas é um projeto antigo, que vem dos anos 2000. Apesar da música erudita, sempre gostei de rock. Na época comecei a escrever várias letras de cunho político, a ver com o rock, que nasceu dessa ideia de contestação. Participava do Anima (de música medieval) e sentia o rock nas músicas. Um dia resolvi fazer esse som. Chamei o Paulo Freire, o Matsuda (Ricardo) que não era do Anima ainda, e o Esdras (Rodrigues). Era um som muito visceral, com pouca harmonia, ligado ao rap, meio falado. Fizemos uma demo com esse material, metendo o pau, falando sobre capital, bancos, “deputadaria” , religiões, o aproveitamento da ignorância do povo. Fiz isso por uns dois ou três anos. A última formação eramos eu, Coré, Ramon (Saboya), Deni (Pontes), o Marcelo (Modesto), e a Daniela (não lembro o sobrenome) de vocalista. Mas estava viajando muito com o Anima e paramos. Em 2010, comecei a participar do movimento Levante Cultura (que pedia a saída do então secretário Arthur Achilles e uma política cultural para a cidade). Propus umas ações radicais — ficar todo mundo pelado na frente da prefeitura, mostrar a bunda —, mas não toparam. Aí lembrei daquelas letras, tem uma Deputadaria, que fala do “país pizza” e continua atual. Pensei em fazer um clipe, falei com a Tiche (Vianna), mas a coisa não andou. Então resolvi retomar a banda. Aí chamei o Coré, Ramon e Deni e começamos a ensaiar. Depois entraram o guitarrista Pedro Trad e a Andréa Preta de vocalista. E estamos com essa formação desde o final do ano passado. E eu também canto. E isso me dá muito tesão, estou estudando canto. Hoje as duas coisas que me dão tesão fazer são opostas: Dr. Plástico, infantil, voltado à questão ambiental; e o Hos Tio, bem hard rock, de crítica, de protesto. É meu jeito de falar o que penso da situação atual do país.