CADERNO C

Ópera bioacústica une arte e ciência

A interação de vozes entre uma soprano e um coro anfíbio é o que propõe a apresentação ‘Soft Tongues’, que mostra onde a biologia e a música se encontram no campo

Cibele Vieira/[email protected]
21/02/2025 às 13:11.
Atualizado em 21/02/2025 às 13:11
Na apresentação, a soprano canadense Jami Reimer canta junto com um coral de anfíbios — resultante da união da coleção de sons de animais da Unicamp com os que ela captou em pesquisas de campo (Divulgação)

Na apresentação, a soprano canadense Jami Reimer canta junto com um coral de anfíbios — resultante da união da coleção de sons de animais da Unicamp com os que ela captou em pesquisas de campo (Divulgação)

Jami Reimer é uma soprano canadense e, embora tenha mestrado em Belas Artes na Simon Fraser University, vive com os pés sujos de lama, percorrendo pântanos e brejos em busca de sapos e outras espécies. Essa atividade inusitada é o que lhe fornece matéria-prima para o projeto de busca das vozes que transcendem espécies, o que ela define como "música da natureza". O resultado dessa interação — em que ela canta junto com um coral de anfíbios — poderá ser visto (e ouvido) amanhã (dia 22), às 20h, pela primeira vez no Brasil, na apresentação do inusitado "Soft Tongues", no Instituto Pavão Cultural, em Campinas. 

O show acontece em quatro canais, ou seja, quatro caixas de sons que reproduzem gravações diferentes, colocadas estrategicamente ao redor do público, fazendo com que as pessoas que o assistem sintam o som se movendo ao seu redor, criando uma experiência semelhante a de estar em um ambiente natural, um brejo. "Pode soar mais como ficção científica do que como realidade, mas se isso ajudar as pessoas a ouvirem os sapos do próprio quintal com um toque de magia que nunca tinham percebido antes, então a música estará cumprindo seu papel", comenta Jami. 

Ela conta que, embora o projeto tenha começado no campo, com as gravações, ele também exigiu muito tempo de estúdio. Seu histórico em música clássica e teatro a ajudou a organizar as gravações e criar uma mistura de música eletrônica com elementos de música coral, monólogo e ópera. "Tive que aprender muitas técnicas de design de som e processamento para construir seções mais voltadas para drone, batidas de clube e paisagens sonoras. Cerca de 80% dos sons nesse espetáculo vêm da voz de anfíbios ou da voz humana", relata. 

Jami chama o show — em que faz performances de dança e voz, em meio a exibição de imagens — de ópera bioacústica. E explica: "não porque se encaixa no conceito convencional de ópera, mas porque, assim como em uma ópera, os anfíbios cantam sua história. E, nesse espetáculo, tento cantar a história deles também". 

O nome "Soft Tongues" (língua macia) foi escolhido porque a língua do sapo é um dos materiais biológicos mais macios conhecidos no planeta. "É essa maciez que produz a viscosidade necessária para arrancar uma mosca do ar, descamar a pele em atos perpétuos de autoconsumo e esticar a voz na promulgação de redes de coro", explica a artista. 

PARCERIA LOCAL 

O projeto é fruto de uma colaboração entre o Laboratório de História Natural de Anfíbios da Unicamp (Brasil) e a School for Contemporary Arts at Simon Fraser University (Canadá), unindo arte e ciência para dar voz às paisagens sonoras da Mata Atlântica. 

Há três anos, Jami entrou em contato com vários pesquisadores que trabalhavam com espécies que cantam em coro, fazendo perguntas sobre vocalização animal. Ela queria descobrir lugares onde a biologia e a música se encontram no campo e investigar se havia maneiras de as artes e as ciências pensarem juntas sobre as mudanças climáticas por meio do som. Nessa busca, ela encontrou o pesquisador Felipe Toledo, professor titular do Instituto de Biologia da Unicamp.

"Temos na Unicamp a quarta maior coleção do mundo de sons animais — insetos, baleias, macacos, sapos e muitos outros — e meu grupo estuda a comunicação animal principalmente de anfíbios", conta Felipe. Jami ficou no laboratório por cerca de três meses, acompanhando pesquisas de campo e fazendo a gravação de sons. No show, ela usa tanto os sons de animais já extintos ou em extinção dessa fonoteca, como os que ela captou em campo. Foram captados sons de anfíbios na Mata Atlântica, em 2022, e no ano seguinte ela viajou para diferentes ecossistemas de áreas úmidas do Canadá, registrando os sons da Ilha Galiano, do Vale de Creston, do Vale Thompson-Nicola e do estuário de Squamish. 

Felipe Toledo comenta que, "do ponto de vista do biólogo, a gente tenta estudar e entender os animais. Mas a artista nos trouxe uma maneira diferente de observar os anfíbios e entender essa integração como um coro organizado". 

Com cerca de 60 minutos, a apresentação entrelaça canto solo e coral, texto, vídeo e práticas de gravação de campo em uma investigação contínua e mutável em torno do coro, mais especificamente nos terrenos vocais sobrepostos entre humanos e anfíbios. Dessa forma, a arte brinca com a gravação científica como uma forma de escuta subjetiva, compondo experiências auditivas imersivas influenciadas por canções mitológicas, paisagens sonoras especulativas e a escuta científica.

PROGRAME-SE 

‘Soft Tongues’ - ópera bioacústica 

Quando: Amanhã, dia 22, às 20h 

Onde: Pavão Cultural — Rua Maria Tereza Dias da Silva, 708, Barão Geraldo em Campinas 

Ingressos: R$40 inteira e R$20 meia (antecipados) 

Informações: WhatsApp (19) 99633-4104 Instagram @pavaocultural

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