Olhos atentos ao pincel

Enquanto ele criava movimentos coloridos com seu pincel, um olhar atento e cheio de admiração registrava tudo. Foi nesse encontro que surgiu uma grande amizade e a ideia de juntar as obras de arte com seus registros de criação. Nasceu assim a exposição “O Pintor e o Gesto”, que reúne 23 obras do pintor e aquarelista Egas Francisco e 22 imagens produzidas pela fotógrafa Denise Jardim. A mostra será inaugurada hoje (dia 10), às 10h, na Casa de Vidro (Lago do Café, no Taquaral), onde permanece aberta para visitação gratuita até 20 de junho.

A mostra une aquarelas, fotografia e memória em um diálogo sensível entre o gesto do artista e o instante registrado pela imagem. “Revisitando as fotos feitas durante as apresentações do Egas pintando ao vivo no Sesc (2016), vimos momentos lúdicos de extrema beleza e surgiu a ideia dessa exposição, que se concretizou de forma significativa pela participação do próprio pintor com suas aquarelas” relata Denise. Egas Francisco, o mestre da pintura a óleo, nanquim e aquarela, foi reconhecido em 2024 como “um legado da cidade” pela Prefeitura de Campinas.

A escolha da Casa de Vidro, que abriga também o Museu da Cidade de Campinas, se deu pela beleza arquitetônica do prédio e sua iluminação privilegiada. A parte superior do museu foi toda ocupada pela mostra, mas dividida em duas alas. Do lado esquerdo da escada de acesso, estão as aquarelas de Egas Francisco e, do lado direito, as fotografias de Denise Jardim. “Eu espero que as pessoas contemplem e desfrutem da exposição, sobretudo porque minhas aquarelas são sempre muito saborosas e as fotografias estão maravilhosas”, diz Egas, que aos 86 anos de idade se mantém ativo e criativo.

CORES E SENTIMENTOS

A maioria das aquarelas que integram a exposição é do acervo pessoal do artista e algumas são de colecionadores. Elas foram produzidas entre a década de 1970 e o ano de 2024, com muita riqueza cromática, movimento e detalhes, características do pintor. Por essa razão, ele chama a atenção para a necessidade de tempo para a contemplação necessária diante de uma obra de arte: “hoje em dia, as pessoas passam com muita velocidade diante das coisas, elas não se detêm na observação, mas a contemplação é fundamental para que você capte a mensagem, para que receba a contribuição que aquela obra oferece”, ressalta.

Um exemplo que merece atenção nesse sentido é a obra “O Beijo da Colombina”, que somente o olhar atento percebe como ela crava sua boca e entrelaça nariz e olhos ao rosto do outro. Boa parte dos quadros é de figuras humanas, uma preferência do pintor, mas com grande variedade temática. Há desde autorretratos de épocas diferentes, um São Sebastiao despojado e sem chagas, uma releitura de Fernanda Montenegro, e até um desenho em grafite e pastel de Gilda, figura excêntrica da Campinas do século passado com quem o artista conviveu e considerava “o tipo popular mais poético” que conheceu.

O tema afro, que integra de forma relevante sua obra, ganhou uma ala especial na exposição, junto com representações de rituais do candomblé. “A contribuição mais preciosa para a cultura brasileira, em todas as áreas, veio dos africanos, por isso prezo muito”, diz Egas. O pai de santo, o deus negro, o Elesbão (escravo liberto que foi cruelmente assassinado em Campinas), a sagração de uma filha de santo e os meninos do mar são algumas das aquarelas que integram a mostra.

Embora seja conhecido internacionalmente por seus quadros a óleo, Egas tem também grande reconhecimento pelo trabalho como aquarelista. Chegou a ser considerado na Europa – onde tem quadros espalhados pela Itália, Alemanha e Áustria, países onde já expôs várias vezes – como um dos aquarelistas mais importantes da contemporaneidade.

O OLHAR FOTOGRÁFICO

Uma das paredes que faz a transição entre as alas da exposição – de aquarelas e de fotografias – é ocupada por uma grande aquarela, com mais de 2m de largura. Ela foi pintada ao vivo em 2016, durante uma performance artística realizada no Sesc Campinas em 2016, onde Egas Francisco demonstrava seu processo criativo ao público, inspirado pelo som de Guga Costa e as performances da dançarina Hellen Audrey. Foi esse evento que Denise Jardim resolveu registrar fotograficamente, “mas de maneira despretensiosa”, como revela.

Somente dois anos depois, ao participar do lançamento de um livro sobre Egas, Denise contou a ele que tinha as fotos e foi convidada a ir até o ateliê para mostrar. A partir daí, eles se tornaram amigos e admiradores mútuos. “Denise fez uma documentação maravilhosa, um registro com fotos de alta qualidade e sensibilidade, me encantei com seu trabalho e por isso estamos expondo juntos”, conta Egas.

Para a fotógrafa, “os flagrantes das apresentações ao vivo resultaram em um registro com aspecto documental, embora com preocupações estéticas, onde percebemos em detalhes as pinceladas do artista e esse é, por exemplo, um dos aspectos para avaliação da autenticidade de uma obra de arte”. Além das fotos dessa produção, Denise incluiu algumas imagens feitas por ela no ateliê do pintor, para compartilhar com o público um pouco daquele mundo artístico.

Denise tem formação em Engenharia de Alimentos e trabalhou na área até se aposentar, quando passou a se dedicar ao que antes era seu hobby e paixão, a fotografia. “Ao me aposentar, há dez anos, resolvi que queria fazer a segunda parte da minha vida como fotógrafa e me envolver mais com a arte, fui estudar, me aprofundei e me tornei uma artista visual”. Sua temática principal está nas fotos de rua, de povo, a estética da população. E revela: “a fotografia, para mim, é pura emoção e paixão”.

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