Documentário do diretor campineiro Alfredo Manevy resgata a vida e a carreira do grande compositor da “dor de cotovelo”; filme chega no cinema nesta quinta
Documentário do diretor campineiro Alfredo Manevy resgata a vida e a carreira do grande compositor da “dor de cotovelo” (Divulgação)
De voz suave, jeito discreto e canto baixinho, Lupicínio Rodrigues poderia passar despercebido não fosse o talento excepcional. Em 2024, ele é, de fato, bastante desconhecido para muitos brasileiros - mas não suas músicas. "Felicidade", mais conhecida na voz de Caetano Veloso, "Vingança" eternizada pelo canto de Elza Soares, ou ainda "Se acaso você chegasse", canção indicada ao Oscar por um versão instrumental da trilha do filme "A Dançarina Loura", todas foram composições saídas da mente de Lupicínio. O documentário "Lupicínio Rodrigues - Confissões de um sofredor", que entra em cartaz nos cinemas nesta quinta (inclusive em Campinas!), propõe o resgate da história deste grande artista brasileiro, tirando-o das sombras e oferecendo-lhe um palco com holofotes.
O diretor que assumiu a responsabilidade pelo projeto é o campineiro Alfredo Manevy, depois de provocado por Maurício Pessoa, produtor de uma turnê de Gal Costa que contava com várias músicas de Lupicínio. "O Lupi [como ficou carinhosamente conhecido] que eu tinha na cabeça era uma figura meio misteriosa, enigmática", lembra. A produção do documentário levou cinco anos, entre pesquisas, recuperação de imagens, filmagens e edição. O filme estreou na Mostra Internacional de Cinema de SP e fez uma temporada de mais de um ano de festivais até aportar nas salas de cinema comerciais agora em 2024. A data celebra os 110 anos do seu nascimento.
A VOZ DE LUPI
A escolha do diretor foi dar voz ao próprio biografado. Ao longo do filme, ouvimos partes de uma longa entrevista que Lupicínio deu à rádio em 1968. "Esse material foi precioso, porque é melhor do que qualquer outra pessoa falando sobre ele. E ele quis contar essa história, pois o Lupi pediu para dar essa entrevista. Tinha um desejo entalado de contar nas suas palavras", conta Alfredo. A partir dessas palavras e de muitos registros fotográficos do universo de Lupi, como cita o diretor, o documentário foi sendo construído.
Lupicínio cantava o sambacanção de "dor de cotovelo", segundo ele mesmo, evocando o sentimento da "cornitude". Ao ser questionado em entrevista, Lupi disse que a inspiração vinha da própria vida. "É que eu sofri demais, meu camarada. Essas minhas dores de cotovelo foram de verdade. Então eu sei traduzir as dos outros". No filme não faltam histórias sobre amores e dores que o levaram a trabalhar em suas composições. Gremista roxo, ele é o autor do hino do time. As estrofes "Até a pé nós iremos, para o que der e vier" renderam ao artista uma cadeira cativa no estádio do Grêmio, mas que, segundo pessoas próximas, ele nunca usava porque preferia sentar no meio do público.
Alfredo aponta para uma das facetas de Lupicínio que mais gostou de poder trazer para o documentário: o cantor. "Quando ele canta as próprias letras, mostra como gostaria que a música dele fosse ouvida. Tem o jeito da Elza cantar, do Caetano, da Adriana Calcanhotto. As pessoas o conhecem mais pela voz de outras pessoas. Mas o Lupi coloca uma doçura, uma ironia e um leve deboche, dando um duplo sentido para as composições. Eu já era muito fã do Lupicínio compositor, mas agora sou fã do cantor também", revela Alfredo.
HUMOR E TRAGÉDIA
Ao longo de 1h37, "Confissões de um Sofredor" recupera a história do artista equilibrando o humor muito característico do próprio Lupicínio com os dramas e tragédias da sua vida. Vemos seu início como compositor ainda adolescente, a exploração que sofreu por quem via nele muito talento e pouca malícia, o racismo, o dilema de ser compositor em uma época que poucos recebiam direitos autorais. Um dos momentos mais curiosos do documentário é justamente a indicação ao Oscar de "Se acaso você chegasse". A música nunca foi creditada a Lupi, muito menos lhe rendeu algum pagamento.
O filme ainda traz as impressões dele sobre a música brasileira que estava surgindo com o seu próprio declínio, do iê iê iê com influências externas à Tropicália de Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil. Gil, inclusive, foi ouvido pelo documentário, ao lado de parentes, amigos e outros músicos. "Ele é um elo perdido na música brasileira. Fez a transição entre a primeira geração do samba e a modernidade, entre a música dos nossos avós daquela coisa mais romântica para o que veio depois de mais moderno. Precisávamos resgatar essa história e espero que, modestamente, possamos contribuir com o documentío para que uma nova geração de intérpretes da música brasileira possa também gravar Lupicínio de novo", completa o diretor. "Confissões de um sofredor" tem produção da Plural Filmes e do Canal Curta!, cujo streaming receberá posteriormente o filme depois da passagem pelos cinemas.
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