Projeto de abrir uma sala pública para exibição de produções audiovisuais no Centro e o incentivo ao cineclubismo no Museu da Imagem e do Som resgatam sonhos dos cinéfilos
A criação de uma sala de cinema de rua é um dos usos pensados para o antigo prédio do Clube de Cultura Artística, projeto que reacende a lembrança do Centro da cidade com 11 cinemas (Firmino Piton/ Secretaria Municipal de Cultura e Turismo)
Campinas tem uma produção audiovisual ampla e competente e dezenas de salas de cinema dentro dos shoppings. Entretanto, a saudade dos cinemas de rua, principalmente os do Centro da cidade — que já foram muitos — repercute entre os cinéfilos. A Sala Glauber Rocha, no Museu da Imagem e do Som é a opção atual para os adeptos do cineclubismo em todas as suas variantes, além de ter exibição gratuita. Mas a boa notícia é que a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo está avaliando locais para a abertura de uma sala pública de cinema no Centro, em proposta desenvolvida em parceria com a Câmara Temática do Audiovisual. Já há estudos técnicos de viabilidade no prédio do Clube Cultura Artística, que está entre os imóveis avaliados para receber a nova sala.
Há um estudo da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo para abertura de uma sala pública de cinema. "Temos um potencial incrível de exibir cinema de arte, filmes brasileiros, infantis e outros, complementares aos cinemas já existentes na cidade", relata a secretária municipal de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli.
Ela adianta que, entre as possibilidades de financiamento, há recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, que investe em ampliação da rede de salas de exibição, para circulação de filmes com cobrança de ingressos. Ainda sem previsão de prazos, a equipe avalia a utilização do antigo prédio do Clube Semanal de Cultura Artística, agora de posse da Prefeitura.
CINECLUBISMO NO MIS
A única opção de cinema no Centro hoje é a sala Glauber Rocha, localizada no térreo do Palácio dos Azulejos, sede do Museu da Imagem e do Som (MIS), na Rua Regente Feijó, 859. Ali a programação é feita por cerca de 20 cineclubes da cidade, que atendem a diferentes vertentes com gestão compartilhada. A sala tem 72 lugares, ar condicionado e um sistema de som e imagem modernos. Cláudia Bortoloto, que atua como uma das voluntárias do cineclubismo do MIS, conta que o espaço foi "ocupado pela sociedade civil organizada, por meio de um coletivo que trabalha na filosofia do cineclubismo e uma programação alternada por temáticas diversas, como ficção científica, cinema dirigido por mulheres, cinema negro, LGBT, militância, clássicos, terror, infantis e muitos outros segmentos".
Esse movimento de autogestão é único no País num museu público, e existe desde a época dos filmes em VHS, se tornando um espaço de liberdade cineclubista sem a interferência de políticas de governo. Dessa forma, a sala é ocupada praticamente a semana inteira, para os mais variados públicos e com espaço inclusive para produções locais e sempre gratuita.
Cláudia Bortolotto, por exemplo, faz o ciclo de História do Cinema desde 2015, mas há ciclos mais antigos, como o de literatura e cinema que vem desde 2011, o de filmes dirigidos por mulheres desde 2012, só para citar alguns exemplos. "Esse espaço público é de todos, para ser cuidado e preservado, ocupado com lazer e com formação, para discutir cinema e ampliar o entendimento", afirma. A programação pode ser acompanhada pelo Instagram @mis.campinas e @cineclubes.miscampinas.
HISTÓRIAS NA RUA
O primeiro cinema de rua de Campinas foi o Cine República, aberto em 1912 e destruído por incêndio em 1929. Na década de 1930, surge o Cine Rink, inicialmente uma pista de patinação e, posteriormente, cinema. Segundo Antônio Henrique Anunziata, historiador da Coordenadoria Departamental do Patrimônio Cultural (CDPC), "entre os anos 1940/ 1950 temos o período áureo dos cinemas em Campinas, com o surgimento dos Cines Windsor, Regente, Casablanca, São José, Brasília, Voga, Jequitibá, Ouro Verde, Real, Rex e Carlos Gomes, todos na região Central, além dos cines Rex, Real e Casablanca que se localizavam na Vila Industrial, e o Cine São José, no Taquaral".
Antônio Anunziata, que também é conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), conta que "foi entre o final dos anos 1970 e 1980 que esses cinemas conheceram o seu ocaso, o que se acentuou após a abertura de salas de cinema no Shopping Iguatemi, nos anos 1980". E complementa que as salas de cinema de rua "foram sofrendo transformações ao longo do tempo, sendo que praticamente todos eles tornaram-se, antes do fim, cinemas pornô". Quanto ao uso posterior desses imóveis, ele cita alguns exemplos, como o Ouro Verde que deu lugar a um edifício, o Cine Regente virou supermercado e o Cine Brasília, após seu fechamento como cine pornô, tornou-se igreja evangélica.
CINES VIRAM TESE
O cenário dos cinemas comerciais em Campinas — formado atualmente por salas em shopping centers — mostra que sua importância nos primórdios da exibição cinematográfica não foi suficiente para os cinemas de rua resistirem. Esse histórico sobre as antigas salas de cinema e suas reconfigurações no espaço urbano e novos hábitos de consumo são tema da tese de mestrado "O Mercado de Exibição Cinematográfica em Campinas", defendida em 2019 por Eduarda Wilhelm Possenti, na área de Multimeios da Unicamp.
"O processo de deterioração da região central de Campinas, a falta de ações efetivas para revitalizá-la e a profusão de grandes empreendimentos comerciais foram agentes que contribuíram para o fechamento dos cinemas de rua e o processo de migração das salas para os shopping centers". Em 2022, ela escreveu um capítulo sobre esse tema para o livro "Campinas: um século de cinema (1923-2022)", organizado por Ramiro Rodrigues. Segunda a autora, "é necessário entender que os cinemas de rua são lugares de memórias coletivas e individuais, que permeiam grupos que se mobilizam em torno dessa história".
REQUALIFICAÇÃO DO CENTRO
O Plano de Requalificação da Área Central de Campinas tem incentivado a ocupação de prédios que possam ser revitalizados e voltar a abrigar moradias e negócios. "Além dos incentivos fiscais e urbanísticos da Lei do Retrofit para reforma e adequações dos prédios ou instalações, os serviços podem se beneficiar da lei municipal de Finanças que possibilita a redução da alíquota de ISSQN de 5% para 2%, que foi criada para incentivar cerca de 80 tipos de negócios de serviços no Centro de Campinas", comenta a secretária municipal de Urbanismo, Carolina Baracat Lazinho.
Trazer mais atividades de lazer, cultura e entretenimento para o Centro da cidade, inclusive no período noturno, é uma forma de garantir a ocupação pelo maior período possível e vai colaborar com a revitalização e com a segurança dos moradores e frequentadores, diz Carolina, para quem "o retorno de salas de cinema será muito bem-vindo".
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