CRÍTICA

"O Quarteto" é mais do que uma comédia para idosos

Longa-metragem, estreia na direção de Dustin Hoffman, busca a beleza na decadência

João Nunes
08/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 01:38
Drama 'O Quarteto' está na sala Topázio Shopping Prado 1 (Divulgação)

Drama 'O Quarteto' está na sala Topázio Shopping Prado 1 (Divulgação)

O primeiro destaque de 'O Quarteto' ('Quartet', Reino Unido, 2012), que chega nesta sexta-feira (8)  aos cinemas, vai para o diretor — ninguém menos que Dustin Hoffman estreando no papel aos 75 anos. E com segurança. Nada de ousadias, malabarismos ou invenções. Apenas trafega com delicadeza sobre passos anteriormente estabelecidos. E revela sensibilidade para fazer do filme algo mais que comédia romântica de idosos típica para atender à demanda do público-alvo. Ele busca beleza na decadência, por mais contraditório que possa parecer. 

Para tanto, se cercou de elenco de exuberantes veteranos atores. Wilf (Billy Connolly), Reggie (Tom Courtenay) e Cissy (Pauline Collins) vivem em asilo para cantores e músicos clássicos quando Jean Horton (Maggie Smith), grande cantora de ópera e ex-mulher de Reggie, se muda para a casa. A trama de intrigas e desencontros começa aqui e acentua o papel de cada ator, em especial o de Maggie Smith.

Intragável, ela trará desconforto ao lugar. Porém, chegará carregada de humor britânico — ainda que involuntário. São dela as frases mais espirituosas e os gestos e ações mais repugnantes — e engraçados. Na primeira noite, exige jantar no quarto, o que é proibido. Ela não quer nem saber e acaba sendo atendida.

Diante de um convite que insiste em recusar, recebe flores de Cissy, mas vemos as pétalas sendo destroçadas sobre a pobre amiga. Uma peste essa Jean e, ao mesmo tempo, uma vilã adorável e infeliz com a condição de velha e decadente. Em dado momento, ela ouvirá disco antigo no qual canta maravilhosamente. E, em vez de se orgulhar, sofre ainda mais por ter perdido a antiga voz.

O drama fica maior porque todos os anos os residentes realizam concerto a fim de angariar fundos para a instituição — que anda capenga financeiramente. E o diretor (o ótimo Michael Gambon) deseja juntar os quatro cantores para encenarem trecho da ópera Rigoletto, de Verdi. A questão é convencer Jean Horton, que não se permite cantar com a voz débil da velhice.

E tem o ex-marido que ela tenta reconquistar — no início, sem sucesso. Mas a vida de ambos se definha. O que mais esperar? E para quê esperar? O filme desenrola, pois, na preparação do concerto beneficente e nos desencontros entre Jean e Reggie.

Há deliciosos momentos, quase todos envolvendo Jean Horton e suas frases ferinas. Assim como chama a atenção a graciosa interpretação de Pauline Collins. Ou as “peraltices” de Wilf, que se recusa a entregar os pontos ao tempo e vive a seduzir todas as mulheres do asilo.

E tem a música de Verdi, mas não só. O roteiro do dramaturgo Ronald Harwood nos permite, pela música, conhecer outros personagens e artistas — vários deles, músicos reais que participam em papéis fictícios. Assim, ouvimos Beethoven, Bach, Schubert (um deleite) e até canções populares.

E surge interessante contraponto com o hip hop. Uma das atividades de Reggie é dar aulas de música aos jovens. Tempo para se medir a ópera de um lado e o rap de outro. Encontro de gerações, das opiniões distintas e das mudanças provocadas pelo tempo — afinal, a vida (a cultura) é dinâmica.

Claro que há leveza na construção desse universo: pouco se questiona a velhice e seus dramas em um asilo britânico que mais parece castelo real. Só para traçar paralelo bem próximo, enquanto Amor, de Michael Haneke (ainda em cartaz), também construído sobre cenário da música clássica, mostra a velhice como martírio, O Quarteto prefere encontrar os últimos suspiros de dignidade e força. Ambos os cenários existem. Só que segundo é bem mais confortável.

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