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O guardião da memória campineira

Acervo com mais de 9 mil itens doado à Unicamp revela o cuidadoso trabalho de resgate histórico e cultural da cidade feito por Celso Pupo e que será exposto na rede a partir de março

Cibele Vieira/[email protected]
19/02/2025 às 15:21.
Atualizado em 19/02/2025 às 15:21
O acervo de Celso Pupo inclui textos, material iconográfico e bibliográfico de 1800 a 2003; reúne documentos, estudos sobre genealogia e registros das famílias mais nobres da cidade, além do resgate da história dos museus (Antonio Scarpa_Unicamp)

O acervo de Celso Pupo inclui textos, material iconográfico e bibliográfico de 1800 a 2003; reúne documentos, estudos sobre genealogia e registros das famílias mais nobres da cidade, além do resgate da história dos museus (Antonio Scarpa_Unicamp)

Ele era um homem curioso, apaixonado pela história, embora exercesse uma atividade burocrática e nunca tivesse voltado à escola após concluir o serviço militar. Natural de São Vicente, no litoral de São Paulo, veio para Campinas quando tinha 15 anos de idade. Apaixonou-se pela cidade e se tornou um dos mais importantes nomes da historiografia campineira. Esse foi Celso Maria de Mello Pupo (1899-2003) que, ao longo da vida, colecionou textos, fotos e documentos sobre o universo urbano e rural de Campinas. Seu rico acervo, com mais de 9 mil itens, foi doado ao Centro de Memória da Unicamp (CMU) que planeja, no final de março, torná-lo público no formato de exposição virtual e e-book. 

A doação feita pela família de Celso Pupo inclui textos, material iconográfico e bibliográfico do período de 1800 a 2003. O conjunto reúne documentos, estudos sobre genealogia e registro das famílias mais nobres da cidade, além do resgate da história dos museus, em um trabalho obstinado de garimpagem que durou décadas. 

Ele escreveu dois livros, considerados essenciais para a historiografia da cidade: "Campinas, Seu Berço e Juventude" e "Campinas, Município no Império", onde relata detalhes — sempre documentados — sobre como um ponto de parada de tropeiros transformou-se em uma das mais importantes regiões do Estado. 

Para o historiador e responsável pela área de processamento técnico do Centro de Memória da Unicamp, João Paulo Berto, "Pupo profissionalizou a forma como se constrói a narrativa histórica ao corroborar memórias com documentos". Berto — que desenvolve um projeto de pesquisa de pós-doutorado em História da Arte sobre a Obra de Pupo — salienta que uma das estratégias usadas pelo autor foi esmiuçar a trajetória das famílias fundadoras da cidade, incluindo dados econômicos e documentos, além de levantamentos sobre seus costumes, modos de vida, construções e objetos. Dessa forma, ele compôs, aos poucos, a história da cidade e da zona rural campineira. 

CURIOSIDADES DO ACERVO 

Entre as inúmeras fotos, textos e documentos do acervo, a pesquisadora colaboradora do CMU, Maria Alice Rosa Ribeiro, identificou o que considera um pequeno tesouro. É o esboço de uma enciclopédia de quatro volumes, onde Pupo lista mais de 200 artistas cujas obras estão espalhadas pelas ruas e espaços culturais de Campinas, em forma de pintura, escultura, desenho ou fotografia. Ela diz que ele andava pela cidade em busca de informações sobre autores de esculturas que ornamentam praças, de pinturas que adornavam paredes de órgãos públicos e das fotografias e dos desenhos que decoravam ambientes. 

Foi Maria Alice que propôs o projeto de tratamento técnico e a disponibilização do conjunto documental de Pupo. "Ao longo do tempo, ele acabou compondo um catálogo sem similar, oferecendo um panorama inédito e amplo sobre o caminho percorrido pelas artes plásticas em Campinas", comenta. Da lista, constam vários artistas do século 19 e uma série de obras — entre paisagens, painéis decorativos e retratos — realizados pelo pintor brasileiro Oscar Pereira da Silva. Com muitas informações extraídas de artigos de revistas, de reportagens publicadas nos jornais da época e de outras fontes, o pesquisador descreve parte da trajetória do foto-pintor Ernesto Papf, que entre outras obras fez uma tela de corpo inteiro de José Paulino Nogueira. 

No catálogo, há ainda referências ao pintor naturalista português Carlos Reis, do pintor e desenhista José de Castro Mendes e até da obra do escultor Lélio Coluccini, que concebeu o Monumento a John F. Kennedy, inaugurado em 1966 no cruzamento das Avenidas Barão de Itapura e Nossa Sra. de Fátima, no Taquaral. 

UM AMANTE DA HISTÓRIA 

Diretor da Coletoria e Recebedoria de Rendas Estaduais em Campinas (órgão responsável antigamente pela arrecadação de impostos), Pupo tinha interesses bem mais amplos que as atividades burocráticas que exercia profissionalmente. "Foi uma pessoa controversa, conservadora e religiosa, que, apesar da pouca formação escolar, teve grande dedicação à preservação da memória da cidade, atuando como memorialista, pesquisador, historiador, jornalista e colecionador", conta Maria Alice. 

Por meio de suas crônicas quinzenais publicadas no Correio Popular entre as décadas de 1940 e 2000, ele noticiava eventos, apresentava obras artísticas, discutia o cotidiano da cidade e defendia o rico patrimônio arquitetônico e cultural da época. Maria Alice conta que ele liderou uma corrente de oposição à demolição de imóveis históricos, como o Teatro Carlos Gomes e a Igreja do Rosário. E alimentava a história com detalhes importantes sobre, por exemplo, a construção da Catedral e o Palácio dos Azulejos. Foi com seu apoio — e de entidades como o Centro de Ciências, Letras e Artes e a Academia Campinense de Letras — que a cidade ganhou o monumento que evoca o Combate de Venda Grande, no Jardim Campo dos Amarais. 

Ele integrou o Instituto de Estudos Genealógicos de São Paulo, o Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo, a Academia Campinense de Letras e o Centro de Ciências, Letras e Artes. 

Após o tratamento técnico das peças do acervo — catalogação, conservação, digitalização e informatização completa da coleção —, elas serão disponibilizadas no Portal Digital do CMU (https://www.atom.cmu.unicamp.br/). O projeto é financiado pela lei de fomento Paulo Gustavo, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.

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