Filme continua se destacando como uma das produções mais importantes do cinema nacional; curta-metragem estrelado por Buscapé foi lançado para celebrar aniversário
Filme continua se destacando como uma das produções mais importantes do cinema nacional (Divulgação)
A estreia nos cinemas da famosa cena da perseguição da galinha pelas tortuosas ruas da favela carioca, de quando conhecemos Buscapé e Dadinho, acaba de completar duas décadas. Ou, como o próprio personagem lembra, enfaticamente, Zé Pequeno. São 20 anos de uma produção que voltou nossos olhos avidamente para o cinema nacional e que continua fazendo história. "Cidade de Deus" é o único filme brasileiro que conquistou quatro indicações ao Oscar ( Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia) e em lista divulgada pela plataforma Preply em agosto deste ano, está em segundo lugar entre os longas estrangeiros mais vistos no mundo. Ele ainda consta no ranking dos 100 melhores filmes em língua nãoinglesa da BBC, na 42ª posição.
De acordo com Noel Carvalho, professor de cinema no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, “Cidade de Deus” é um filme inovador em vários aspectos, como atuação, linguagem, estética e distribuição. "Ele impactou o público em um momento que havia um clamor pelo cinema brasileiro oriundo de vários lugares: do público jovem, que não conhecia o cinema brasileiro tanto pela idade como pela paralisia da produção devido a interrupção promovida pela era Collor, e dos intelectuais ligados ao cinema (críticos e jornalistas) que também demandavam um cinema brasileiro alinhado com o mercado cinematográfico internacional e com a televisão. ‘Cidade de Deus’ entrega isso e muito mais", argumenta.
Noel explica que entre 1980 e início de 1990 muitas instituições públicas que financiavam os filmes brasileiros foram fechadas e o resultado é que a produção nacional caiu drasticamente. Naquele momento criou-se uma grande desconfiança com o cinema brasileiro, popularizando-se a ideia de que não poderíamos fazer aqui nada perto do que se fazia em Hollywood. "E aí veio ‘Cidade de Deus’, que reatou o cinema com o público brasileiro e fez imenso sucesso internacional, inclusive em Hollywood. Os produtores e distribuidores estadunidenses gostaram muito do filme. Embora seja inovador em vários aspectos como linguagem, montagem, fotografia, atuação e produção, ele também opera dentro de convenções consagradas pela indústria", analisa.
Escola de atores direto da favela
Na época da produção, o diretor Fernando Meirelles estava com dificuldades de encontrar um elenco majoritariamente negro e que conferisse autenticidade à história. A decisão foi criar uma escola de atores recrutando talentos nas favelas do Rio de Janeiro, inclusive na Cidade de Deus, e treiná-los ao lado da co-diretora Kátia Lund e do preparador de elenco Guti Fraga, utilizando uma abordagem baseada em improvisação. "Assim, o filme foge bastante dos rostos estereotipados dos atores globais e os personagens caricaturais das novelas. A maioria dos atores também eram moradores das comunidades onde se passa a história, então, ele tem uma série de referências muito fortes, especialmente com o público, que é o que importa. Ao mesmo tempo, não se trata de documentário, é uma ficção com heróis, bandidos, perseguições e romance. Enfim, um produto da indústria cultural com muita consciência da sua natureza", explica Noel.
"Cidade de Deus" lançou e alavancou a carreira de nomes e rostos que até hoje são relacionados ao filme. Os atores Douglas Silva, Alice Braga, Seu Jorge, Darlan Cunha, o editor Daniel Rezende (hoje cineasta) e o roteirista Bráulio Mantovani. O próprio Meirelles foi notado internacionalmente e levado a dirigir "Ensaio Sobre a Cegueira", com Julianne Moore e "Dois Papas", estrelado por Anthony Hopkins.
Em 20 anos, "Cidade de Deus" seguiu seu caminho dentro e fora do mundo audiovisual. Celebrando o aniversário, a produtora O2 Filmes, de Fernando Meirelles, em parceria com duas grandes empresas, lançou o curtametragem "Buscapé". Nele, vemos o protagonista vivido por Alexandre Rodrigues voltando para a comunidade a convite do amigo Barbantinho (Edson Oliveira) e descobrindo uma situação perigosa. São várias referências ao original, mas sob a direção de Fred Luz, o curta de 14 minutos e que está disponível no YouTube tem uma emocionante história para contar. Em 2013, outro longa foi lançado em razão do aniversário de um década: "Cidade de Deus - 10 Anos Depois”. Documentário dirigido por Cavi Borges e Luciano Vidigal, a obra mostrou como estava a vida dos atores e moradores da região que participaram da produção. E não parece que vamos parar de ver "Cidade de Deus" nas telas, pois, segundo informação divulgada por Patrícia Kogut no jornal O Globo de ontem, a HBO tem planos para transformar o filme em série para sua plataforma de streaming. A ideia é que a produção tenha um novo elenco e roteirista, mas que siga a história já iniciada. Ainda não há mais detalhes.
Cidade de Deus (Divulgação)