MÚSICA

O Brasil profundo na viola de Paulo Freire

Em show, o violeiro se embrenha nos confins de Urucuia, em Minas, e tira da viola o universo de Guimarães Rosa

Kátia Fonseca/ Correio Popular
14/04/2021 às 18:04.
Atualizado em 21/03/2022 às 22:16
Em show, o violeiro se embrenha nos confins de Urucuia, em Minas, e tira da viola o universo de Guimarães Rosa (Divulgação)

Em show, o violeiro se embrenha nos confins de Urucuia, em Minas, e tira da viola o universo de Guimarães Rosa (Divulgação)

Lobisomen, saci, capeta são reais. Pelo menos para o violeiro Paulo Freire, que fala, toca e conta histórias tão verdadeiras quanto seu amor pela música desse Brasil afora, sobretudo do que ele chama de “Brasil profundo”, que fica lá pelas bandas sertanejas, de preferência no Urucuia, região retratada Guimarães Rosa na obra-prima "Grandes Sertões: Veredas", na qual aprendeu a pontear uma viola como ninguém, tendo como professor Mestre Manelim.

A convivência com o mestre violeiro (morto em janeiro de 2020), os anos que passou morando na Sertão do Urucuia e seus aprendizados são a matéria-prima do show Rosa, Viola e Sertão, que estreia hoje, às 20h nas redes sociais de Paulo e na plataforma de transmissão ao vivo Zoom. “Não consigo dissociar o aprendizado que tive na viola com a importância da convivência com as pessoas do Sertão de Urucuia, nem do contato estreito com a natureza. O sertão me encaminhou. As pessoas de lá me mostraram uma ética fundamental, onde a palavra empenhada em um fio de bigode tem mais valor que um contrato com firma reconhecida no cartório. Ganhei uma nova família no Urucuia, e amigos para a vida inteira”, confessa o violeiro.

Com sua viola de dez cordas, conhecida como viola caipira, com a afinação "rio abaixo", típica do sertão do Urucuia, Paulo Freire apresenta um repertório de canções de domínio público para as danças de lundu e suas composições a partir de seu aprendizado no sertão (Mosquitão, Seca, Manoelzão, Buritizal, Suíte da Lagartixa, Seu Teó), além dos toques aprendidos no Urucuia: papagaio, inhuma, rio abaixo, sapo e o veado, lagartixa.

“São músicas instrumentais a partir da observação dos movimentos da natureza. Dizem que o violeiro traz o sertão para dentro do bojo da viola. Cada toque tem uma característica única: a corrida do veado na campina, o bando de sapo coaxando no brejo, a ligeireza de uma lagartixa quando dá o bote. E a técnica usada na viola muda de acordo com esses toques. Quando a gente escuta o violeiro pontear essas músicas, dá para ver direitinho o movimento dos animais!”, explica Paulo, que conheceu todas essas modalidades da viola quando saiu da Capital paulista – onde nasceu - diretamente para o sertão mineiro. “Mudei-me para o Urucuia com 20 anos. Eu já tinha estudado violão e guitarra. Fiquei muito impressionado quando vi os toques de viola.”

Rio abaixo

“Rio abaixo é um mundo! É o nome da principal afinação de viola usada por mestre Manelim. Dizem também que é a afinação do capeta... além disso é o nome de um toque de viola, e também um causo que diz que o tinhoso descia o rio ponteando sua violinha e carregando as moças rio abaixo...”. Essa e outras histórias – ou causos, como prefere o violeiro – fazem parte do show Rosa, Viola e Sertão. O público poderá conferir os mistérios do sertão, que incluem histórias envolvendo os violeiros pactários, na versão de Paulo Freire.

O músico faz um breve resumo sobre quem seriam os violeiros pactários: “Ai ai ai... assunto espinhudo! Assim como existe a tradição entre o pessoal do blues, no meio da viola também se diz que o violeiro tem que fazer o pacto com o capeta para tocar de uma maneira extraordinária. Mas não é só na viola! Guimarães Rosa contou que Riobaldo – narrador e personagem de Grandes Sertões - tramou o encontro com o cujo.”

O show, integrado por seis episódios, abre justamente contando essa curiosa história da relação do capeta com a moda de viola. Em “O diabo na rua, no meio do redemoinho”, Paulo Freire desvenda o mistério: “Eu conto e toco um causo do tal... só vendo!”.

A produção mescla execução de músicas e causos gravados, com tradução em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Haverá interações ao vivo com o público de cada sessão e as pessoas poderão, além de acompanhar o show, interagir com o violeiro ao final do espetáculo. Para cada dia, Paulo vai trazer um tema diferente para este momento interativo, relacionado às suas pesquisas, referências e experiências ao longo de sua trajetória.

Viola, Rosa e Sertão está sendo realizado com o incentivo do Programa de Ação Cultural, através da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo (ProAc), via Lei Aldir Blanc, direcionado pela Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.

Paulo Freire: Viola, Rosa e Sertão

Hoje, amanhã e dias 20, 22, 27 e 29 de abril, sempre às 20h

Sala Zoom - Inscrição: www.violarosaesertao.com.br

Facebook: https://www.facebook.com/paulofreirevioleiro

Youtube: https://www.youtube.com/paulofreirevioleiro

Para acompanhar pelo Zoom, é preciso se inscrever em www.violarosaesertao.com.br indicando em qual data deseja assistir.

As perguntas enviadas pelas redes sociais serão transmitidas pelos mediadores do Zoom.

Temas das interações

Dia 13 - O diabo na rua, no meio do redemoinho – a presença do diabo no mundo da viola e no sertão de Guimarães Rosa.

Dia 14 - Mestres do Sertão – mestres violeiros, seus ensinamentos, aprendizado de viola no vale do Urucuia.

Dia 20 - Preparação para a viagem – os encontros com Roberto Freire, Ariano Suassuna, Maureen Bissiliat, Antônio Madureira. Itinerário até chegar no sertão.

Dia 22 - Ética nas pesquisas de campo – como retribuir ao sertanejo todos os ensinamentos, em formas de discos, filmagens, acompanhamento de suas obras, créditos e pagamentos.

Dia 27 - A influência dos escritores: Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Paulo Freire na viagem de descobertas pelo Brasil profundo.

Dia 29 - Rosa, Viola e Sertão nos dias de hoje, como o mundo contemporâneo está agindo no sertão e em suas manifestações culturais.

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