O papel do pioneiro Miguel do Carmo, o negro que desbravou o futebol contra o preconceito, é relatado no livro ilustrado ‘Antes do Pelé veio o Migué’, que será lançado hoje em Campinas
Este é o terceiro livro do jornalista Edu Cerioni, que trabalhou durante sete anos no Correio Popular, onde atuou como setorista do dia a dia da Ponte Preta por quase dois anos (Divulgação)
Nascido como um esporte para elites de raça branca, o futebol tem hoje muitas colorações e, principalmente, muitos negros em campos de todo o mundo. É uma realidade que traz à tona o racismo de algumas torcidas, e foi essa a motivação do jornalista Edu Cerioni para escrever sobre a história do negro no futebol brasileiro. Seu livro ilustrado "Antes do Pelé veio o Migué" narra a história de Miguel do Carmo, que entrou em campo em 1900 para ajudar a fundar a Ponte Preta e mudou o rumo desse jogo. O lançamento da publicação será hoje (dia 8) em Campinas, com sessão de autógrafos a partir das 19h, no Candreva Bar.
Edu Cerioni aborda episódios históricos, culturais e sociais que ressaltam as contribuições dos atletas negros na construção desse esporte e suas experiências em um contexto marcado pelo racismo e pela discriminação. A ideia, salienta, é resgatar a memória de Migué e, especialmente, conscientizar as novas gerações de que a cor da pele não indica diferenças genéticas. "Migué é o pioneiro na história dos negros que ajudaram a transformar o Brasil no país do futebol, e revelou o Rei Pelé, o único a vencer três vezes, como jogador, uma Copa do Mundo", ressalta o autor.
Escrito em linguagem simples, "Antes do Pelé veio o Migué" traz ilustrações de Ricardo Lacraia Colombera para conquistar leitores mais jovens e para permitir que seus pais e avós relembrem os feitos de negros que não precisaram alisar os cabelos ou usar pó-de-arroz no rosto para disfarçar a cor da pele. "Ao tratar de questões tão complexas e sensíveis, é importante evitar a perpetuação de estereótipos ou a reprodução de preconceitos, por isso busquei retratar de maneira cuidadosa e responsável o impacto das relações raciais no futebol, sempre contextualizando os eventos e as formas de expressão de acordo com as épocas retratadas", avisa o autor, que é branco.
O livro é uma produção independente e tem 60 páginas. Nele são relembrados episódios recentes em estádios da América do Sul e, especialmente, na Espanha — com o vergonhoso tratamento dado a Vinícius Junior — que se tornaram o pontapé inicial para a construção da narrativa. Entretanto, o autor complementa que "a obra não pretende reduzir o sucesso de atletas negros a uma questão de cor de pele ou de aptidão natural, reconhecendo que o talento e as conquistas no futebol, assim como em qualquer outra esfera, são multifacetados e não devem ser interpretados exclusivamente pela ótica da raça".
MIGUÉ E A PONTE PRETA
A história registrada no livro começa em 1900, quando Migué ajudou a criar a Associação Atlética Ponte Preta, da qual foi o primeiro center-half (meio de campo). A bola foi passada por ele, redondinha, para outros craques negros que brilharam com a camisa da Seleção Brasileira, como Leônidas da Silva, Romário, Cafu, e chegou aos pés de Estêvão e Endrick. A narrativa foca na representação dos personagens negros dentro de campo, embora eles tenham papéis de destaque que vão além das quatro linhas.
A lista é grande de nomes históricos nesse esporte e que estão escalados pelo autor, muitos com detalhes pitorescos no caminho ao sucesso, feras como Didi Folha Seca, Furacão Jairzinho, Dadá Maravilha... Mas nem tudo são glórias, porque o livro também toca na ferida que foi a Copa do Mundo de 1950. "No Brasil, a pena máxima para qualquer crime é de 30 anos, só que não vale com a gente. A pena imposta a nós, os jogadores daquela Seleção, já ultrapassou todos os prazos e a tal da anistia não chega nunca", disse ao autor o goleiro campineiro Moacyr Barbosa, em encontro que tiveram em 1998, quando Edu Cerioni trabalhava como editor de Esportes do Correio Popular.
Migué trabalhou como segundo fiscal de linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Nasceu em 1885, em Jundiaí, portanto, antes da Lei Áurea, e morreu em 1932. Ele dá nome a uma rua de Campinas, nas proximidades do Estádio Moisés Lucarelli. Em 2017, em comemoração ao aniversário da Ponte Preta, ganhou selo comemorativo dos Correios.
SOBRE O AUTOR
Edu Cerioni atua no Jornalismo diário desde 1984. Trabalhou no Correio Popular por sete anos e, neste período, por quase dois anos acompanhou como setorista o dia a dia da Ponte Preta. E, desde que ouviu sobre o primeiro negro do futebol brasileiro, por sinal um conterrâneo seu, o jornalista e escritor o considerou merecedor de um lugar especial na história esportiva. Cerioni também teve passagens pelo Jornal da Tarde e Rede Bom Dia, da qual foi editor-chefe, além de escrever para as revistas Quatro Rodas e Vogue Homem.
Este é o terceiro livro do escritor, que ocupa a Cadeira número 3 da Academia Jundiaiense de Letras. Edu Cerioni é autor também dos livros "Infinita é tua Beleza" — que resgata a história do maior e mais tradicional bloco de Carnaval de Jundiaí, o Refogado do Sandi — e de "Maria dos Pacotes"— sobre o mito das ruas. O livro tem ilustrações de Lacraia, com experiência de mais de 25 anos em desenho realista em preto e cinza. A publicação tem revisão ortográfica de Nelson Manzatto, que foi editor no Diário do Povo.
PAPO CABEÇA
Em breve, Cerioni fará rodas de conversa com jovens jogadores de Campinas e Capivari sobre o livro e a luta contra o racismo. No final de março, ele promoveu esse diálogo e reflexões sobre o racismo em campo e na sociedade com jogadores do projeto "Meninos do Alvorada", em Jundiaí, onde resgatou a história de Miguel do Carmo, jundiaiense que foi o primeiro negro do futebol brasileiro. Na ocasião, ele estava acompanhado de Luiz Alberto Carlos, o único negro da Academia Jundiaiense de Letras, que destacou a importância de pretos e pardos na construção do País, onde são maioria, com contribuição fundamental em todos os campos da sociedade. A publicação foi enviada pelo autor para os projetos sociais de vários jogadores, como Cafu, Vini junior, Grafite e Endrick.
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