Pesquisa revela o perfil dos jogadores brasileiros, com predominância do sexo feminino, em idade entre 35 e 39 anos
Bárbara Francischinelli Bigon e Laila Campregher jogam games desde a infância e, agora, adultas, não abrem mão do hobby, que se tornou uma verdadeira paixão e uma forma de aliviar o estresse (Alessandro Torres)
As mulheres representam a maioria dos jogadores de games no Brasil, correspondendo a 50,9% de todo o público que pratica jogos digitais no País. O perfil do gamer brasileiro foi estabelecido como uma mulher, de classe média, entre 35 e 39 anos e que joga no celular. O levantamento é resultado da Pesquisa Game Brasil (PGB) 2024, divulgada este ano. O curioso é que a maioria do público feminino não se considera gamer, o que pode estar relacionado ao fato de 85,4% dos jogadores considerarem os games como importante forma de diversão, mas não uma atividade profissional. A pesquisa também apontou que 73,4% dos pais jogam com os filhos.
A PGB 2024 ouviu 13.360 pessoas de 26 Estados do País e do Distrito Federal. O levantamento foi feito pela SX Group e a Go Gamers, em parceria com a Blend New Research e a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Entre os dados gerados, há o apontamento de que 73,9% da população brasileira joga jogos digitais e que a maior concentração de entrevistados tem de 35 a 39 anos (16,9%) e 30 a 34 anos (16,2%). Do total, 48,8% dos gamers disseram preferir jogar em dispositivos móveis e mais de 66% dos jogadores de smartphone se consideram gamers casuais.
PAIXÃO CONVICTA
A gestora operacional Bárbara Francischinelli Bigon começou a jogar aos 8 anos e hoje, com 32, reserva de quatro a cinco horas por dia para se dedicar aos jogos e aprimorar o seu desempenho. Apesar de não se considerar uma jogadora profissional, ela ressalta o quanto o mundo gamer é importante. “Eu me divirto jogando. É algo que faz parte da minha rotina, o que me ajuda a aliviar o estresse.” Ela é adepta aos jogos casuais de celular e aos competitivos de computador. Mesmo quando os amigos não têm tempo, acrescentou, jogar sozinha também é atrativo. Para ela, os jogos são pequenos quebracabeças mentais, que lhe fazem pensar e se envolver em um outro universo.
Segundo Bárbara, a parte mais interessante de um jogo é o campo limitado de possibilidades sobre o que pode acontecer. Para ela, esse é um ponto positivo da realidade fictícia, por dar controle a quem joga. “Trata-se de regras, portanto. Não é como a vida, em que estamos à mercê do inesperado. É algo lógico e que pode ser calculado.” Bárbara contou ter uma rede extensa de amigas que jogam – algumas profissionalmente – e que dividem o hobby com os filhos, inclusive. Ela gosta dos chamados jogos de MMORPG, sigla em inglês que designa “um jogo de interpretação de personagens online e em massa para multijogadores”.
O que mais a atrai é a criação e a história contada em cada jogo, que é permeada por missões e propósitos. Porém, Bárbara ressaltou que apesar de esta ser uma atividade que lhe traz momentos de lazer, este também é um universo repleto de preconceito contra a mulher, mesmo que elas sejam maioria entre os jogadores. “Quando uma mulher ganha, foi sorte. Quando perde é porque o oponente ficou com dó. Ou seja, o mérito nunca é nosso.” A gestora operacional ressalta que tem amigas jogadoras que, ao participarem de jogos online, preferem entrar nas salas virtuais com nomes neutros ou em outras línguas para não serem identificadas como sendo do sexo feminino. O que é uma alternativa, refletiu, para evitar algum tipo de represália, preconceito e capacitismo.
PAIXÃO DA VIDA
A médica Laila Campregher tem uma paixão antiga, o jogo Pokémon. Desde os 7 anos, ela se interessa pela trama de ficção e ainda hoje mantém a paixão ativa. “Eu realmente vivo esse mundo do jogo, em que precisamos treinar os pokémons, participar de desafios e duelos.” Todos os dias, Laila joga o máximo possível, conciliando sua rotina de trabalho, tempo livre e os afazeres da vida adulta. Jogar, para ela, é sinônimo de relaxar e de aprender ensinamentos como superação e persistência. “Eu não abro mão de jogar. Sempre que posso, faço isso”.
Além de o jogo ser uma atividade que a gamer normalmente pratica sozinha, ele também é uma troca coletiva, ao reunir uma comunidade de pessoas que se identificam com o mundo dos jogos. Foi assim que Laila fez amigos e passou a integrar uma rede de encontros para eventos de competição – do regional ao nacional – e para trocar conquistas e informações sobre o jogo. Segundo a médica, o seu grupo de amigos voltados para o game reúne pessoas de todos os Estados do País. Ela, inclusive, criou um perfil no Instagram destinado a um Pokémon, para falar sobre a temática. Atualmente, a rede social acumula mais de 5 mil seguidores, volume que ela conquistou em apenas um ano.
Laila joga com um console portátil de videogame, o chamado Nintendo Switch, e também pelo celular, com espelhamento de tela na TV. Segundo a médica, mesmo que as mulheres tenham forte presença no universo dos games, o preconceito ainda existe. “Muitos homens acreditam que mulher não sabe jogar e invalidam qualquer tipo de vitória do sexo feminino.” A jogadora classificou tais colocações como um absurdo.
ANÁLISE ESPECIALISTA
Segundo o professor do departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da Unicamp, Alfredo Suppia, o fato de a pesquisa apontar que a maioria dos gamers no Brasil é mulher reflete um cenário observado também no universo do cinema, no qual há décadas, a maioria do público é feminino. A imagem inicial de um gamer, explicou, é uma pessoa jovem, do sexo masculino e nerd, mas esse é um estereótipo criado na década de 90, que tem enfrentado significativas mudanças. “Esta ideia vem muito em função da ideologia que tende a privilegiar a figura masculina, o que é equivocado.”
O universo dos games, acrescentou, possui em torno de 50 anos de história e, assim como os jogos, o perfil dos jogadores também foi se alterando. “Tenho muitas alunas que se interessam e trabalham no desenvolvimento de videogames e que jogam com regularidade.” Por isso, concluiu, o fato de a mulher ser maioria neste universo não é algo tão surpreendente, e sim um fato esperado. Porém, para o professor, mesmo com esse aumento de visibilidade do público feminino, a ideologia por trás do preconceito ainda é algo presente e que precisa ser combatido.
Para o coordenador do curso de Design de Games e do curso superior de Tecnologia em Jogos Digitais da PUC-Campinas, Carlos Mingoto, os números que refletem o perfil do gamer brasileiro expressa uma igualdade da presença de ambos os gêneros. Para ele, os dados refletem a proporção populacional de homens e mulheres, o que considera algo positivo. Mesmo que a maioria não se considere uma gamer profissional, acrescentou, os números mostram a crescente participação feminina e que deve se manter nos próximos anos.
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