Vandalismo contra monumentos que homenageiam pessoas que se destacaram na história nacional e internacional turva a história da cidade
Os monumentos de Carlos Gomes, de Bento Quirino e de Campos Sales são alguns exemplos dos que foram pichados e o de Hércules Florence está sujo e sem iluminação: uma caminhada pelo Centro confirma a triste situação (Ricardo Lima)
O poeta Mário Quintana dizia que “o passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”. Mas, em Campinas, o passado preservado nos monumentos históricos anda bem descuidado. Essa tem sido uma observação constante e uma reclamação geral de historiadores, artistas e promotores culturais que se preocupam com a preservação da memória na cidade. Três monumentos – o de Hércules Florence, o de Carlos Gomes e o de Campos Sales – que retratam diferentes períodos da história, estão vandalizados e tiveram as placas e outros detalhes em bronze roubados.
A responsabilidade de manutenção desses monumentos é da Secretaria de Serviços Públicos que, questionada sobre a data da última manutenção realizada ou planos de restauração, respondeu por meio de nota que “faz limpeza dos monumentos periodicamente e alguns reparos de manutenção, quando necessário”. Alega que “é preciso utilizar produtos especializados para remoção de tinta de pichações, sem prejudicar o material dos monumentos, que não podem ser pintados” e ainda relaciona que a cidade tem “cerca de 60 monumentos de destaque e, destes, 40% ficam na região central”. E salienta, ainda, que “é fundamental que as pessoas tenham consciência e não pichem, vandalizem e depredem o patrimônio público”.
Para a professora de Arquitetura da PUC-Campinas, Ana Paula Farah – campineira e especializada em Patrimônio Arquitetônico e Urbano -, falta gestão e conhecimento técnico por parte dos órgãos municipais que deveriam cuidar dos monumentos. Ela ressalta também que não há preocupação em educar para a preservação, pois “só se apropria do espaço o cidadão que tem conhecimento da história”. Para Ana, também falta a condução de uma política patrimonial.
Três tristes exemplos
O busto de Hércules Florence (1804-1879) – francês que viveu em Campinas e reconhecido internacionalmente como um dos inventores do processo fotográfico – é uma obra de Vicente Laroca e foi instalado na década de 1960 na Praça Silvia Simões Magro (Largo de São Benedito), no Centro. Florence é tataravô de Eduardo Florence, de 76 anos, que hoje lamenta “a falta de valorização das figuras históricas da cidade”. Ele comenta que “o local onde está o busto perdeu o gramado, se encontra em terra batida, a placa de bronze foi roubada e agora tem apenas um papel adesivado de identificação, a iluminação direcionada também não existe mais e o monumento está sujo”. Para ele, esse descaso com a história e a memória é muito triste, pois entende que não seria necessário muito trabalho para a recuperação.
O Monumento-Túmulo do compositor e maestro Antonio Carlos Gomes (1836-1896), localizado na Praça Bento Quirino, no Centro da cidade, foi produzido pelo escultor Rodolfo Bernardelli, em 1905. A imagem em tamanho real do maestro - como se ele estivesse regendo uma orquestra – já foi pichada várias vezes e teve detalhes roubados. “Quando a gente sai do Brasil e vai para outros países, o maestro é reverenciado e homenageado, e aqui, sua terra, nem o seu túmulo conseguem preservar”, diz a professora Ana Paula. “As cidades são dinâmicas e precisam do progresso, mas ele tem que ser pensado e pautado na história, na memória e na preservação, e não apagando vestígios do passado. Temos que passar esse legado para as gerações futuras”, completa.
O campineiro que exerceu o cargo de presidente do Brasil, Manoel Ferraz de Campos Sales (1841-1913), teve seu monumento - executado pelo escultor Iolando Mallozi - inaugurado em 1934 na Praça Visconde de Indaiatuba (Largo do Rosário), sendo posteriormente transferido para o início da Avenida Campos Sales. Ele foi advogado, jornalista, vereador, deputado, abolicionista e ministro da Justiça, além de presidente civil do país, tendo sido reconhecido como “restaurador das finanças nacionais”. A homenagem que Campinas lhe prestou, entretanto, está vandalizada, com várias peças roubadas e não repostas, pichada e suja. “Abandonada”, sentencia Alcides Ladislau Acosta, presidente do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA).
Em defesa do patrimônio
“Como campineiro, me preocupo com esse descaso”, diz Orlando Rodrigues Ferreira, que durante 20 anos (1995 a 2015) participou ativamente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc). “Falta respeito aos monumentos que contam a nossa história e precisamos saber o que as autoridades vão fazer. A cidade está vandalizada, basta caminhar pelo Centro e observar. Por mais que tenham boa intenção, precisamos de ações mais efetivas”, afirma.
Ele conta que os conselheiros sempre cobraram esse zelo das autoridades em relação à conservação dos patrimônios públicos e monumentos. “É preciso policiamento mais ostensivo, até porque a Guarda Municipal, por atribuição legal, deveria cuidar do patrimônio”, desabafa.
Mas ele ressalta que “além da segurança, é preciso investir na educação da sociedade, em especial nas escolas públicas municipais, que deveriam levar seus alunos para conhecer a história presente nesses monumentos”. E faz uma reflexão, propondo que “o tema da preservação patrimonial deveria ser debatido publicamente envolvendo Prefeitura e Câmara. E, num segundo passo, fazer um projeto envolvendo as áreas formal e não formal da cultura na cidade para debater seu patrimônio histórico e cultural”.