Se fosse vivo, o maior pintor acadêmico de Campinas completaria 110 anos hoje, data em que amigos, colecionadores e família se juntam para homenagens
Aldo Cardarelli deve ter produzido cerca de 10 a 15 mil óleos sobre tela, de acordo com a filha Telma Cardarelli (Divulgação)
Considerado um dos mais influentes pintores da cidade, o campineiro Aldo Cardarelli (1915-1986) foi mestre da arte pictórica, adepto do estilo acadêmico, e retratou por mais de 60 anos a natureza e as pessoas em suas telas. A filha Telma Cardarelli, que é restauradora, afirma que ele não era um homem comum: "impressionava pela força que o envolvia em profundo mistério e pela infinita capacidade de captar a vida em todas as suas formas". Ela calcula que o pai produziu de 10 a 15 mil óleos sobre tela, a maioria nunca catalogada. Hoje, a maior parte dessa produção está com colecionadores particulares e cerca de 100 quadros são guardados pela família.
A ligação de Aldo Cardarelli com a arte se formou ainda na infância, quando iniciou estudos no Colégio Francisco Glicério e rabiscava papéis com pedaços de carvão. Logo vieram os pincéis, tintas e telas, e aos 16 anos, decidiu que pintar era seu ideal de vida. Nunca mais parou. Dos 71 anos que viveu, 55 foram integralmente dedicados à pintura. Desenvolveu um estilo próprio que, posteriormente, se tornou referência para os pintores acadêmicos. Foi membro das Academias Brasileira e Paulista de Belas Artes, ganhou vários prêmios — inclusive a Medalha de Honra do Salão Paulista de Belas Artes — e se tornou professor de desenho e pintura na Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, em São Paulo, e no Curso Livre de Artes da PUC-Campinas.
Suas telas, muitas de grandes dimensões, estão espalhadas pelo Brasil e Exterior, em países como Estados Unidos, Suíça, Japão, Alemanha, Portugal e Argentina. Segundo a filha Thelma, a inexistência de catalogação foi consequência da intensa procura por seus quadros, que se espalharam entre grandes colecionadores, museus e pinacotecas. Em Campinas, seu nome está perpetuado em edifício, na Galeria do Centro de Convivência Cultural de Campinas, e em constantes homenagens póstumas. Aldo era um fumante convicto e morreu no dia 15 de agosto de 1986, vítima de enfarte.
Eclético, em uma curta fase, se dedicou ao abstracionismo, segundo a filha, para responder aos modernistas que o provocavam. "Ele produziu uma série de abstratos para provar que sabia fazer arte moderna, mas não era isso que queria", conta. Na década de 1950, foi considerado hors concour no Salão Paulista de Belas Artes e ganhou vários prêmios. Somente aos 36 anos de idade, se apaixonou em Campinas por Maria dos Anjos Roselli — sobre quem ele dizia "Maria não é dos dos Anjos, é Maria minha". Com ela se casou e teve dois filhos. Thelma conta que a mãe faleceu em 2016 e que "ele foi o pintor que foi porque teve a mulher que teve".
Legado sempre lembrado
O artista retratava com preciosismo a natureza, principalmente de Sousas e Joaquim Egídio, tanto que foi considerado o "mestre do verde" da arte acadêmica brasileira. O pintor Egas Francisco, 86 anos, conta que teve uma relação muito tênue com o artista, mas o reconhece como "o mais importante de Campinas na pintura acadêmica e um grande paisagista".
Cardarelli não se limitou à pintura de campo, aperfeiçoando-se como retratista, pintando inúmeros personagens de Campinas. "Os retratos de Aldo Cardarelli registram fielmente a fisionomia com um intenso refinamento de detalhes, por vezes enriquecidos com mantos aveludados, rendas, flores e joias como, aliás, fizeram todos os pintores neoclássicos", escreveu Alfredo Toledo de Oliveira e Souza.
O colecionador Marcelo Mueller de Almeida Prado Sampaio, 66 anos, é colecionador e tem em sua coleção 15 quadros de Cardarelli. Ele é presidente da Sociarte, associação que divulga — há 56 anos — a arte e cultura paulistas. "Eu o conheci na exposição do Masp e ficamos grandes amigos, frequentei seu ateliê até seu falecimento. Pessoa maravilhosa, coração enorme, seus quadros eram excepcionais e vendidos, assim que ele os pintava. É o grande nome da pintura do nosso Interior paulista, deixou um legado insubstituível", comenta.
A memória do artista vem sendo preservada com a exibição de suas obras como, recentemente, na exposição dos pintores do Interior paulista, realizada no Museu de Arte Sacra, quando Sampaio colocou quatro quadros de Cardarelli e, na última exposição "Águas Brasileiras", a filha Thelma expôs outros quatro quadros.
Na mocidade, o artista fez pinturas murais em igrejas de São Paulo e em Espírito Santo do Pinhal. Esse trabalho de afrescos foi registrado em vídeo no documentário “Aldo Cardarelli — Pintor”, lançado em 2019 por iniciativa do cineasta e escritor português, Fernando Figueirinhas. Na época do lançamento, este manifestou estranhamento por nunca terem escrito um livro ou registrado, de alguma forma, o importante legado do artista, que foi inclusive um dos fundadores da Academia Campineira de Letras e Artes. No filme, Fernando Figueirinhas comenta que o artista conseguia "captar a temperatura das paisagens através das cores, sendo reconhecido internacionalmente e se tornado um dos maiores pintores brasileiros".
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