‘Ainda Estou Aqui’, filme de Walter Salles que representa o Brasil no Oscar 2025, traz atuação brilhante de Fernanda Torres e história poderosa
'Ainda estou aqui' (Divulgação/Alile Dara Onawale)
Uma das estreias mais aguardadas do ano nos cinemas é um filme nacional. "Ainda Estou Aqui", novo trabalho do diretor Walter Salles (de "Central do Brasil"), retomou a parceria com Fernanda Torres e sua mãe, a gigante Fernanda Montenegro — que aparece apenas por alguns minutos, mas de forma marcante. Selton Mello completou o time de estrelas que fez parte da adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, lançado em 2015. Na época, o escritor transpôs para as páginas a história real de sua família, quando ele, as irmãs e a mãe acompanharam o desaparecimento do pai, Rubens Paiva, sequestrado por agentes da ditadura militar no Brasil em 1971.
Ao longo de 2h17, acompanhamos a vida da família desde antes do sequestro até a luta de Eunice Paiva (Fernanda Torres) para buscar respostas e proteger seus cinco filhos. O filme é o representante do Brasil no próximo Oscar, mas já tem uma carreira em festivais importantes. Ele venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza e também de Melhor Filme Brasileiro por votação do público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O longa está sendo bem cotado por diversos veículos que são referência na indústria para ser um dos cinco indicados para Melhor Filme Internacional do Oscar. Mas se tiver uma boa campanha pela distribuidora Sony Pictures Classics, é bem plausível pensar também em outras categorias, como Roteiro e até mesmo Atriz.
O CORREIO JÁ VIU
"Ainda Estou Aqui" leva seu tempo para nos inserir na história, por isso se preocupa em nos aproximar da família Paiva. Levamos uma parte considerável da projeção vivendo com eles a dinâmica familiar, entendendo os relacionamentos entre eles, nos afeiçoando àquelas pessoas. Entendemos que a casa dessa família, muito próxima à praia do Rio de Janeiro, é um lugar de comunhão entre eles e os muitos amigos, o que reflete o amor de quem vive ali. Dói também em nós, espectadores, quando a violência da ditadura militar recai sobre esse grupo.
Walter conduz o filme com elegância e sutileza, e escolhe navegar com sua câmera pela casa dos Paiva. Inicialmente, é cheia de luz e risos, mas depois que o pesadelo se instaura, os planos de repente dão a entender que aquele espaço está mal iluminado, grande demais com a falta de algo que o preenchia. A morada é mais do que um simples espaço, ela é o refúgio da memória de tudo que foi vivido entre suas paredes e que a família tenta preservar. Nesse caso, basicamente momentos felizes. Por isso é tão triste quando chega o tempo de sair dali.
Fernanda, que é uma grande atriz, está excepcional e poderia muito bem pegar algumas vagas nas categorias de Melhor Atriz nas premiações mundiais dos próximos meses. Não é uma interpretação de grandes arroubos melodramáticos, que estariam muito de acordo com a situação e que poderiam evidenciar mais o seu talento. Mas é uma caracterização mais introspectiva e complexa. Ela transmite, com apenas um olhar, o medo, o desamparo e a dor que não pode ser compartilhada ou curada.
Apesar de ser uma narrativa bastante pessoal de Marcelo Rubens Paiva, seus pais e irmãs, o filme reflete um trauma vivido coletivamente no Brasil da ditadura militar. Os representantes dela no longa sempre aparentam uma certa civilidade, normalidade, obrigando os personagens a responderem no mesmo tom, mesmo quando estão ameaçados. O silêncio e a falta de reação, é justamente a resposta esperada por esse regime e seus apoiadores. Esse modo de operar resultou em uma fragilidade da preservação da memória desse período tenebroso e no entendimento das cicatrizes que ele deixou para nossa história. Por isso, toda lembrança e debate são muito bem-vindos.
No caso de Eunice, o silêncio não é ausência de luta. Ela batalha sim, a seu modo, inclusive para manter a alegria, que ela mesma não está mais sentindo, na vida dos filhos enquanto eles crescem e aprendem com a maturidade a lidar com suas dores e a falta do pai. E, assim como Marcelo faz, olhar para trás e entender o que se passou. "Ainda Estou Aqui" precisa de mais tempo para poder se estabelecer como um clássico do cinema brasileiro, mas hoje já é possível cravar que ele tem todas as chances de ganhar esse título.
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