mais de 10 mil itens

Masp ganha acervo do pintor baiano Rubem Valentim

Os documentos inéditos diados podem jogar nova luz sobre uma obra ainda pouco estudada no Brasil

Estadão Conteúdo
correiopontocom@rac.com.br
27/07/2019 às 16:35.
Atualizado em 30/03/2022 às 22:06

Recém-criado, o Instituto Rubem Valentim acaba de doar ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) um acervo com mais de 10 mil itens do pintor, entre manuscritos, cartas, fotografias e desenhos. Eles ficarão armazenados no Centro de Pesquisas do museu, que dedica a segunda edição do Masp Pesquisa (em 2020) ao artista baiano. Na primeira edição do projeto, a pintora homenageada foi Maria Auxiliadora. Rubem Valentim (1922-1991) ganhou no ano passado uma retrospectiva no Masp, Construções Afro-Atlânticas, com curadoria de Fernando Oliva. Durante a mostra a Galeria Almeida & Dale doou uma tela do pintor ao museu, além de uma outra pintura que cedeu anteriormente ao acervo do Masp. Rubem Valentim foi um dos poucos artistas brasileiros a ter sua obra analisada pelo grande crítico italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992) - que destacou, em 1966, o diálogo entre a arte ancestral e contemporânea em sua pintura, ressalvando que a evocação dos signos da cultura religiosa de origem africana nada tinha de "folclorística". Um ano depois, o crítico Mário Pedrosa (1900-1981), equivalente brasileiro de Argan, diria que Valentim fez pela pintura brasileira baiana o que Tarsila e Volpi fizeram no Sul, destacando que também nele havia algo de "antropofágico", ao comparar sua transmutação de signos litúrgicos africanos em signos plásticos abstratos. O curador da mostra de Valentim no Masp, Fernando Oliva, comemorou a doação do Instituto Rubem Valentim, destacando que os documentos inéditos podem jogar nova luz sobre uma obra ainda pouco estudada no Brasil - ao preparar a exposição, ele descobriu apenas uma tese de mestrado na USP e outra de doutorado no México sobre o pintor. Apesar disso, Valentim foi certamente um dos artistas com maior fortuna crítica no País - de Aracy Amaral a Walter Zanini, passando por José Guilherme Merquior, sua obra foi objeto de um sem-número de ensaios e textos jornalísticos, que ele colecionava e estão entre os itens doados. "Valentim reuniu esses documentos já com a intenção de ter seu arquivo pessoal num instituto aberto a pesquisadores do Brasil e do mundo", lembra Oliva. Um desses pesquisadores, a francesa Abigail Lapin Dardashti, argumenta, por exemplo, que, para compreender a relação da pintura de Valentim com as práticas do candomblé e a cultura iorubá, é preciso considerar a importância que suas visitas ao British Museum em Londres tiveram em sua formação. Os objetos de culto das vitrines do museu inglês foram fundamentais para essa descoberta, a despeito da incorporação do simbolismo afro-brasileiro ser normalmente associada à sua passagem pelo Rio de Janeiro. Os documentos doados ao Masp vão finalmente tornar claro se a simetria e as formas geométricas das telas do período carioca (fim da década de 1950) são acidentais ou obedecem a uma composição com signos do candomblé - essas formas são de ordem religiosa, mas sugerem uma fusão com a abstração geométrica. Valentim dizia que não tinha nascido europeu e que era um "homem desesperado" em busca da divindade e do Brasil. Sua linguagem visual, esclareceu, está ligada aos valores místicos da cultura afro-brasileira, mestiça, animista, fetichista, com todo o peso da Bahia sobre os ombros e o sangue negro pulsando nas veias. "Esse dado é frequentemente ignorado em textos sobre ele, não o de sua ligação com religiões de matriz africana, mas o da cor de sua pele", observa o curador Fernando Oliva. "Quiseram embranquecer o Valentim como fizeram com Machado de Assis", compara, evocando os ensaios e críticas que insistem em ligar o pintor ao construtivismo e até ao concretismo - Valentim admitiu que sempre foi um construtivo, mas nunca um concreto. Em cartas a críticos, como Theon Spanudis, um dos signatários do movimento neoconcreto, que apoiou o pintor quando este se estabeleceu em São Paulo, Valentim fala do ordenamento cromático e estrutura de suas telas - esse processo jamais foi aleatório, obedecendo a um rigor geométrico que seria ainda mais aparente em seus emblemas e esculturas dos anos 1970. Além desses documentos doados pelo instituto há desenhos do seu período de formação e mais o registro de sua temporada romana, fotos de obras públicas (como a escultura Emblema de São Paulo, na Praça da Sé, de 1970) e suas anotações de preparação das aulas que ministrou na Universidade de Brasília nos anos 1960.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por