ENTREVISTA

Marcos Palmeira admite: é preciso coragem para dirigir

Ator que recebeu o troféu Eusélio Oliveira no 23º Cine Ceará conversa com o Caderno C

João Nunes/Especial para o Correio
correiopontocom@rac.com.br
19/09/2013 às 16:05.
Atualizado em 25/04/2022 às 03:03

O ator Marcos Palmeiras é filho de Zelito Viana e irmão de Betse de Paula, ambos cineastas ( Divulgação)

Aos 50 anos, completados em agosto, sendo 44 ligados diretamente à arte de atuar, Marcos Palmeira pensa todos os dias na possibilidade de dirigir um filme, mas ainda não teve coragem de concretizar o projeto. “Acho que de tanto ver a dificuldade do meu pai e da minha irmã em conseguir dinheiro, vou empurrando com a barriga”, diz. A constatação vem seguida de uma crítica: “O Brasil não tem projeto cultural”. O pai e a irmã são os cineastas Zelito Viana e Betse de Paula. Não bastasse, a mãe é a produtora Vera de Paula. Ou seja, ele está cercado de cinema por todos os lados — daí a pergunta (se ele não pensa em dirigir) feita ao ator, homenageado com o troféu Eusélio Oliveira no 23º Cine Ceará, encerrado sábado passado (14), em Fortaleza.Cercado de cinema não é força de expressão — também é sobrinho de Chico Anysio. Ele não só iniciou a carreira aos 5 anos, em 1968, no curta-metragem 'Copacabana, Minha Terra', de Arthur da Távola, como é um recordista em atuações no cinema brasileiro, com nada menos que 34 filmes no currículo — feito do qual ele diz se orgulhar muito. Apesar de ter começado tão cedo, em 1983 formou-se ator na Casa de Arte das Laranjeiras, no Rio de Janeiro e, simultaneamente, emendou longa sequência de filmes, atividade que aliou com a chegada da TV em sua vida, outra experiência duradoura. Realizou mais de 30 trabalhos entre telenovelas, séries e minisséries na televisão. Foram momentos históricos como as novelas 'Pantanal' (Manchete, 1990) e 'Renascer' (Globo, 1993) e a minissérie 'Desejo' (Globo, 1990), entre muitos outros.Adolescente, em 1982, foi convidado pelos índios xavante a conhecer a tribo, no Pará, e acabou ficando entre eles por três anos, tendo sido batizado por eles como Tsiwari, que significa “sem medo”. Ele conta que essa experiência mudou a forma de olhar a vida. “A experiência com os índios me acompanha em tudo. Devo muito a eles”. Também por conta disto, se tornou produtor de alimentos orgânicos em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. E, como consultor, presta assistência em diversos projetos de alimentação orgânica espalhados pelo Brasil. Atualmente, ele atua no remake da novela 'Saramandaia' (Globo) e está em cartaz nos cinemas com o filme 'Vendo ou Alugo', dirigido justamente da irmã Betse de Paula. Mas ele acha que o filme não teve o público que merecia. “Ficou muito abaixo do esperado”, avalia.Marcos Palmeira falou com os jornalistas no encerramento do Cine Ceará e respondeu à maior parte das perguntas feitas exclusivamente pelo Caderno C. Caderno C — Homenageados em festivais costumam dizer que não se sentem velhos ou em fim de carreira para receber troféus pela obra. Como você se sente com a homenagem do Cine Ceará? Marcos Palmeira - Não esperava, mas me sinto muito honrado e feliz. Normalmente esse tipo de homenagem vem depois da morte, mas, depois que eu morrer não me interessa mais. Estar no cinema desde os 5 anos sempre foi uma escolha sua? Cinema sempre foi o quintal da minha casa. Nasci em um set de filmagem, é o lugar onde me sinto mais à vontade. Sou filho do cinema, mas me considero um operário, pois sempre topei tudo, nunca me preocupei em ser protagonista. Aprendi muito no cinema e só tenho a agradecer por isso. Você é um recordista de atuação no cinema, com quase 40 filmes no currículo. Como se sente nesse papel?Muito orgulho por estar dentro de um produto tão difícil e por conseguir viver de arte. Mas nunca planejei a carreira. E, no cinema em especial, fiz alguns grandes personagens históricos (D. Pedro I, Villa-Lobos, Oswaldo Cruz) porque tenho cara do brasileiro comum.  Você fez duas comédias recentes no cinema. 'E aí, Comeu?' (Felipe Joffily, 2012) teve muito público (mais de 2,5 milhões), mas era repleta de piadas sexuais. 'Vendo ou Alugo' (Betse de Paula), o mais recente (e ainda em cartaz), é leve e ingênua, mas não passou de 150 mil espectadores. Qual sua opinião a respeito de performances tão diferentes?Acho muito bom termos comédias no cinema. Esse filão é a cara do brasileiro, que adora humor. Mas é difícil julgar porque o público quis este e não aquele filme. Afinal, existe uma desigualdade no modo de produzir e distribuir. No caso de 'Vendo e Alugo', achei muito abaixo do esperado. Infelizmente, não tivemos a Globo Filmes como coprodutora, o que dificultou muito o marketing. As pessoas que o assistiram, gostaram, mas a grande massa nem sabe que o filme está em cartaz. Ouvi de colegas que foram assisti-lo em sessões em que as pessoas aplaudiam ao final. Mas eu acompanhei minha irmã e, no final do processo, ela já estava sem fôlego. 'E aí, Comeu?' teve muita mídia, mas são públicos distintos. Eu adoro comédias, apesar de ser muito difícil de fazer.  A crítica falou muito mal de 'E aí, Comeu?'. Você acha que ela exagerou?Não me cabe discutir a crítica. É apenas mais uma opinião. Na adolescência, você conviveu com os Xavantes e chegou a ser batizado por eles como Tsiwari. No filme 'Villa-Lobos - Uma Vida de Paixão' (Zelito Viana, 2000) você viveu Villa-Lobos, e o músico tinha fascínio pela cultura brasileira. Você levou para o filme as impressões vividas nessa experiência junto aos índios? A experiência com os índios me acompanha em tudo. Devo muito a eles. Foram três anos vivendo em distintas tribos, entre elas a dos xavantes, experiência que eu considero uma espécie de redescoberta de mim mesmo. Em 1982, depois de ter feito 'Terra dos Índios' (Zelito Viana, 1978), fui convidado para conhecer uma tribo no Pará e, de repente, achei que ali era o meu lugar. Mas é interessante que eu passava o tempo todo representando para eles. E mais: eu não falava a língua deles nem eles o português. E nos entendíamos, saíamos para pescar e caçar. Cheguei a pensar seriamente em ser indigenista. E quando decidi voltar ao Rio, foi uma choradeira só. Hoje, minhas relações com eles continuam. Anualmente os visito, dirijo três mil quilômetros e vou ao encontro deles, que me chamam pelo nome de batismo, Tsiwai. É uma relação forte que tem muito a ver com o que penso a respeito do meio ambiente.  Como está sua atividade paralela à de ator como produtor de alimentos orgânicos no Rio de Janeiro? Há tempo para conjugar as duas atividades? Abri um armazém no Rio, no Leblon, chamado Armazém Vale das Palmeiras, onde posso ter um contato direto com o consumidor. Quando se faz com prazer, sempre se arruma tempo. Eu tenho dois personagens seus inesquecíveis: na TV, Sólon, da minissérie 'Desejo'. No cinema, Solano, de 'Anahy de las Misiones' (Sérgio Silva, 1997). Qual é o seu (ou seus) personagem inesquecível?São vários, inclusive esses dois que você citou. Mas fazer o Villa-Lobos foi muito importante pela grandeza do personagem. Gosto também dos papéis rurais que eu fiz. E 'Dedé Mamata' (Rodolfo Brandão, 1987) foi um marco, pois li o livro (de Vinícius Vianna) e fui fazer o teste. Estava lá ao lado de vários colegas, mas lutei e consegui ser o escolhido. Ganhei o prêmio de ator coadjuvante em Gramado e, a partir daí, comecei a ser visto como alguém com potencial de ator. E em 'Anahy...' passei por um processo muito legal para construir o personagem.  Você teve personagens marcantes também na TV.Sim, a começar por 'Vale Tudo' (Gilberto Braga, Globo). Eu namorava a personagem da Lídia Brondi (a atriz abandonou a carreira e, hoje, vive reclusa) que, naquele momento, era desejada pelo Brasil inteiro, mas quem a beijava na boca era eu. E me apaixonei de verdade, fiquei louco por ela, e tive crise de consciência por misturar vida pessoal e profissional. Um dia, ela me chamou e disse: “Não se preocupe, isso acontece, e eu sou muito sedutora”.  E depois veio o sucesso enorme de 'Pantanal'.Cheguei a ser chamado de galã rural depois de 'Pantanal' e 'Renascer'. Muita gente achava que eu ia ser estigmatizado por personagens do tipo rural. Mas o curioso em 'Pantanal' é que o diretor Jayme Monjardim não queria me dar o papel porque achava que eu era um típico playboy carioca. 'Pantanal' foi um sucesso impressionante, dava 45 pontos de audiência (ainda mais levando em conta que não era na Globo). Uma vez, eu, o Marcos Winter e a Cristiana Oliveira estávamos chegando a Cuiabá para gravar a novela e o aeroporto estava cheio de fãs do Menudo. E, de repente, eles nos viram e foi uma correria atrás de nós, e não sabíamos o que fazer diante daquele monte de gente.  E, em 'Celebridade' (Globo, 2003/2004), você se tornou protagonista.Sim, mas como sou muito autocrítico, quase nunca gostava do que fazia. Em 'Celebridade' me senti tão superficial que não acreditava em nada daquilo. E, quando terminou, decidi dar um tempo. Fui fazer teatro e passei um período na Europa para me questionar. Assim como a experiência com os índios, este foi também um tempo de me redescobrir. Eu me considero um ator intuitivo, mas que costuma fazer muitas perguntas. E nunca pensei em me tornar galã; quem gostava disso era minha mãe. Mas isso tampouco me atrapalhou, pelo contrário. No entanto, continuo autocrítico. E sou protagonista do meu próprio papel, mas sempre contei com a ajuda das pessoas e, por isso, só tenho a agradecer.  Qual a importância de ter mãe produtora, pai e irmã diretores?Meus pais são pessoas bem simples, sempre me serviram de exemplo e me deram educação. Com eles aprendi a gostar de gente. Se não fosse ator, teria sido sociólogo ou antropólogo. Sou uma pessoa sem frescura, não sou de ter vontades e desejos. Claro que brigo por aquilo que quero, mas encaro a vida com simplicidade. Uma vez, na Rússia, me vi num bar bebendo cerveja com uns russos que conheci ali mesmo. Eu não falava russo e eles não falavam português, e ficamos horas conversando. E qual a importância de Chico Anysio na sua carreira?Ele me estimulou muito e, bem cedo, me chamou para participar do programa dele. Minha mãe não queria por causa dos estudos. Mas ele me deu dicas importantes, pois eu era chato e ficava pedindo para ele fazer os personagens da TV. E ele fazia. Foi uma grande escola. Você nunca pensou dirigir? Penso nisso todos os dias, mas ainda não tive coragem de assumir um projeto. Acho que de tanto ver as dificuldades do meu pai e da minha irmã em conseguir dinheiro, que vou empurrando com a barriga porque acho que o Brasil não tem projeto cultural. Mas eu gosto da direção. No set fico dando palpite em tudo, justamente por causa da minha experiência. Às vezes deixo meu próprio trabalho para ajudar os atores e dou uma de assistente nas mais diversas áreas, seja na luz, no figurino, na direção de arte. No entanto, ainda não me sinto seguro, pois dirigir é muito complexo, tem que dar conta de tudo e precisa de um nível de informação muito grande, e necessita ter boas referências. Tive a chance de dirigir duas cenas em 'Irmãos Coragem' (Globo, 1995) e foi legal, mas fiquei muito nervoso. Se eu tivesse uma história bacana às mãos, eu já teria topado dirigir. Mas é uma questão de tempo e esse momento vai chegar. E estou consciente que fazer cinema no Brasil é quase uma gincana, mas, como disse, é no cinema que eu me sinto mais à vontade.  E por falar em projetos, quais são seus próximos trabalhos?Por enquanto me dedicar à fazenda. E devo fazer uma série até o final do ano em um canal a cabo, mas ainda não assinei nada. E quero fazer teatro em 2014. *O repórter viajou a convite do festival

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