EXPOSIÇÃO

MACC recebe mostra com obras de Antônio Roseno de Lima

As obras do artista plástico que viveu na periferia de Campinas podem ser vistas até 30 de maio

Cibele Vieira
13/04/2022 às 09:16.
Atualizado em 13/04/2022 às 09:16
As coloridas telas de Roseno eram pintadas com esmalte sintético, sem técnica acadêmica: agora o momento é de encantar o público da cidade onde ele viveu 22 anos (Ricardo Lima)

As coloridas telas de Roseno eram pintadas com esmalte sintético, sem técnica acadêmica: agora o momento é de encantar o público da cidade onde ele viveu 22 anos (Ricardo Lima)

A exposição é inédita e provavelmente muita gente nunca havia ouvido falar do artista. Mas ele viveu em Campinas entre 1976 e 1998, quando faleceu na favela Três Marias, onde morava. Suas obras estão no acervo da Casa da Arte Brasileira e a exposição que abre hoje reúne 180 quadros no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC). Esta é a oportunidade de conhecer a obra do artista plástico primitivista e fotógrafo Antônio Roseno de Lima, em uma mostra que lança luz em sua jornada pessoal e artística. 

O curador da mostra e principal divulgador das obras de Roseno é o ex-professor de Artes da Unicamp, Geraldo Porto. Ele conheceu o artista em uma exposição coletiva no Centro de Convivência Cultural e foi o primeiro comprador de um quadro dele. "Fiquei tão fortemente impressionado com a singularidade de sua pintura que imediatamente desejei adquiri-la e conhecer o seu criador. Tive a nítida impressão de estar diante de um artista raro", conta. Acabou se tornando "padrinho" de Roseno e levou suas obras paara São Paulo em 1991, de onde conseguiu projeção. 

Após a temporada no MACC - até 30 de maio - a exposição segue para Itu e São Paulo (SP), Natal, Mossoró e Alexandria (RN), a cidade natal do artista. Na abertura para convidados realizada ontem, esteve presente a ex-secretária de Cultura do Rio Grande do Norte, Isaura Amélia Rosado, que veio conhecer a mostra que receberá em seu estado. "Já trabalhamos o resgate da imagem do artista no Nordeste e será uma grande honra circular a exposição por lá, pois ele fez um registro do cotidiano que reflete bem a vida do nordestino que migrou para São Paulo", comenta.

A montagem da exposição tem um padrão diferenciado, inclusive com quadros colocados em uma altura mais baixa, porque ela será visitada por muitas crianças, segundo o curador. Já são cerca de 800 estudantes cadastrados que participarão de ações educativas "para estimular a percepção e a compreensão das obras, além de inspirar a criação artística através de oficinas e do uso de materiais didáticos produzidos especialmente com essa finalidade". As obras estão expostas em séries com as principais temáticas do artista: retratos, dinheiro e animais. Há também uma projeção que exibe o trabalho fotográfico de Roseno, com cerca de 300 fotografias feitas por ele. 

Um artista peculiar

Geraldo Porto ressalta que Roseno era um artista bruto, nordestino, morador da favela, semianalfabeto e, apesar disso, tem uma grande coleção com suas melhores fotografias no Centro de Memória da Unicamp e pinturas que entraram no acervo de importantes museus, como a "Collection de l'Art Brut", de Lausanne, na Suíça, e o Museu Haus Cajeth, em Heidelberg, na Alemanha, além de figurarem em publicações especializadas e serem comercializadas em galerias de arte, principalmente no exterior. "Quando morreu, seus trabalhos já estavam em algumas dessas coleções, mas grande parte de sua obra acabou sendo jogada no lixo", lamenta o curador.

Era do lixo que ele tirava a matéria-prima para seus trabalhos. As latas de óleo eram abertas e emolduradas com madeiras descartadas para virarem telas, pintadas com esmalte sintético, sem nenhuma técnica acadêmica. O professor Geraldo Porto teve Roseno como objeto de estudo de sua dissertação de mestrado na Unicamp. Ele conta que o artista "viveu durante anos naquele barraco miserável, sem luz elétrica, entre amontoados de papéis velhos, latas, desenhos, pinturas e bichos, onde também improvisava a venda de balas e cigarros".

Seu primeiro quadro foi vendido após 28 anos de persistente criação de desenhos e pinturas. Em todos os seus trabalhos, ele anexava no verso um pequeno bilhete, antes manuscrito pelas crianças e depois datilografado e xerocado: "Para começar fazer o desenho precisa lápis, caneta, algodão, querosene, thiner, gasolina, pincel, régua, tesoura, giz, papel, soda cáustica, fogo, prego, trabalho, madeira, tinta. serrote, mesa, casa, cadeira. Para fazer esse desenho fica muito caro. Quem pegar esse desenho guarda com carinho. Pode lavar, só não pode arranhar. Fica para filhos e netos. Tendo zelo, atura meio século".

Um migrante nas artes

Antônio Roseno de Lima nasceu em uma família de cinco irmãos, na cidade de Alexandria, RN, em 22 de junho de 1926, de onde saiu aos 30 anos, sem jamais fazer o caminho de volta. Foi para São Paulo deixando mulher e cinco filhos e na capital paulista conheceu sua companheira Soledade. Juntos, vendiam doces na Estação da Luz. Em 1961, aos 35 anos, fez um curso de fotografia e começou a retratar pessoas, principalmente crianças, mas também prédios, aniversários e casamentos. Em 1976, mudou-se para Campinas, onde viveu até os 72 anos, quando morreu por complicações do diabetes.

Programe-se

Exposição A.R.L Vida e Obra

Onde: Museu de Arte Contemporânea de Campinas - Rua Benjamin Constant, 1633, Centro

Quando: de 13/04 a 30/05 com visitação de terça a sexta-feira, das 9h às 17h

Entrada gratuita

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