'O Roubo da Taça', de Caíto Ortiz, expõe toda a trapalhada que envolveu o desaparecimento do troféu, de ouro maciço, em 1983, retirado de detro da sede da CBF
'O Roubo da Taça', de Caíto Ortiz, se inspira no famoso desaparecimento da Copa Jules Rimet da sede da CBF, em 1983. O Brasil a havia conquistado em definitivo no México, em 1970. Era o símbolo maior do outrora melhor futebol do mundo. Feita de ouro maciço para a primeira Copa do Mundo, foi roubada, vendida e, diz-se, derretida. O país que a conquistou em definitivo a aniquilou. Uma vergonha. Tem coisas que só acontecem mesmo no Brasil. A taça exposta deveria ser uma réplica. Mas, por algum motivo, a cópia foi colocada num cofre e a original ficou exposta. Havia um vidro blindado a protegê-la, mas estava fixado em uma moldura com pregos, removíveis com facilidade. Se mambembes eram os ladrões, mambembes e meio eram os detentores da taça. Esse é o Brasil. Toda essa trapalhada é uma piada pronta — com travo amargo. Mas bons pontos de partida não dão, necessariamente, bons filmes. O estilo adotado por 'O Roubo da Taça' é o da comédia gritada, com pé no grotesco, que rende alguns momentos de graça, mas, no todo, parece um tanto tediosa. Tem qualidades. O protagonista, Peralta, é vivido por Paulo Tiefenthaler, que recebeu o Kikito de ator no Festival de Gramado. Um evidente exagero. Seu personagem é uma persona do próprio Paulo, famoso como chef em seu programa no Canal Brasil, o extinto 'Larica Total'. Mas, se não o vemos na pele de um, digamos, Hamlet, é inegável que tem graça como o jogador compulsivo, malandro total, e marido da deusa Taís Araújo, esta no papel da gostosona clássica das chanchadas. Aliás, é evidente a intenção do diretor em se inspirar nas antigas chanchadas, que em seu tempo fizeram a alegria de milhões de espectadores e, posteriormente, foram reabilitadas pela crítica como produto vintage da nossa brasilidade maliciosa. Com o tempo, fomos descobrindo que não éramos tão espertos assim e malandros mesmo eram os outros, que julgávamos otários. Com essa consciência, as chanchadas entraram em desuso. É, portanto, com a vocação de uma neochanchada que 'O Roubo da Taça' entra em campo. Mas uma chanchada diferente dessas oportunísticas que andam por aí, faturando milhões com seu gosto de isopor. Aqui, a coisa é um tanto mais “suja”, o que fala em seu favor. As cores quentes da fotografia de Ralf Strelow, premiado com o Kikito, expressam esse tom anos 1980, quando talvez não tivéssemos (ainda) perdido de todo a inocência. Pouco (ou melhor, nada) preocupado com o discurso politicamente correto, 'O Roubo da Taça' faz alguma graça nessa região indefinida entre a mordacidade e a grosseria. Nem sempre o roteiro (de Caíto Ortiz e Lucas Silvestre, também premiado) segura a onda nessa zona cinzenta de onde brota o riso inteligente, mas tem alguns achados. Quando nada, expressa essa esculhambação generalizada, que durante tanto tempo ostentamos como logotipo nacional, coisa nossa e portanto desculpável. Mas, no fundo, até que é assim mesmo, ou não é?