Longa de David O. Russell tem pouco o que justifique seu favoritismo ao Oscar
Cena do filme "Trapaça", que tem direção de David O. Russell ( Divulgação)
David O. Russell está longe de ser um cineasta banal. Dos recentes, 'O Lutador' (2010) permaneceu; 'O Lado Bom da Vida' (2012), bem inferior, tem lá seus acertos e encantos. O que se vê claramente nos trabalhos deles, e está em 'Trapaça' ('American Hustle', Estados Unidos, 2013), é o vigoroso modo como o diretor filma. Ele não se conforma com os planos burocráticos; está sempre inquieto buscando o inusitado que, em suma, significa dizer que ele quer encontrar uma maneira diferente e criativa de narrar. Este é o grande mérito de 'Trapaça', que estreia neta sexta-feira (7) nos cinemas. Há outro, abaixo na escala: o bom elenco, com destaque para, nesta ordem, Jennifer Lawrence (neste, e não no ano passado, ela merece um Oscar), Robert De Niro (nos poucos minutos em que aparece ele revela com maestria a face sinistra do personagem) e Bradley Cooper e Amy Adams (ambos esforçados, não mais que isso). Christian Bale, em que pese o talento para não se repetir (elogios a ele pelo esforço), está muito pouco à vontade no papel — um sujeito asqueroso com aquela peruca ridícula e a barriga obscena e, ainda assim, capaz de deixar duas mulheres caídas por ele. Seu Irving Rosenfeld é pesado e soturno o que, para um vigarista, chega a dar sono. Fora esses dois quesitos, o que sobra do filme? Muito pouco. Poderíamos incluir outros atores como destaque — Jeremy Renner, por exemplo — ou a encenação, que é um dos grandes trunfos também de 'O Lutador', pois tudo parece crível. Se levarmos em conta que se trata de história real, este dado vem ao encontro daquilo que o filme pretende, ou seja, emprestar extremo realismo à mise-en-scène. A questão, na verdade, é outra. Por que 'Trapaça' se tornou líder com dez indicações nesta corrida pelo Oscar? Sem entrar no mérito sobre critérios de premiação (Jennifer Lawrence e Bradley Cooper viraram os queridinhos da indústria, assim como o próprio diretor), é indicação demais para filme de menos. Falemos do elenco de novo: todas as vezes em que Jennifer Lawrence entra em cena, não tem para ninguém; ocorre que a moça é coadjuvante e aparece pouco. E o enredo não empolga tanto assim. O tal vigarista Irving e a amante Sydney Prosser (Amy Adams) são pegos pelo agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper). Se quiserem ficar livres, terão de ajudar o agente a flagrar o político Carmine Polito (Jeremy Renner), que recebe uma grana para implantar um cassino em Atlantic City (estado de New Jersey) — estamos nos anos 1970. Isso é tudo. Vamos acompanhar as trapalhadas do trio, como apresentar um falso sheik ao político, a traída mulher de Irving, a brega Rosalyn (Jennifer Lawrence), fará o papel de bomba-relógio e haverá espaço para a máfia no desenrolar da trama. Se quisermos também, podemos relacionar esta história com a de 'O Lobo de Wall Street' — em ambos há vigaristas tentando se dar bem e em ambos a sujeira está sendo alvo de investigação pelo FBI. Mas o filme de Martin Scorsese está a anos luz à frente — só não tem chance no Oscar como tem 'Trapaça'. O que é uma pena. Resumindo, o novo trabalho de David O. Russell tem qualidades, porém, nunca empolga. Ficamos caçando aqui e ali momentos interessantes, como as falas ferinas de Rosalyn, que tem sua graça e torcendo para que ela continue em cena. Inexplicável mesmo é saber que o filme tem chances reais de levar a estatueta de melhor para casa. Se isso acontecer, pior para o Oscar.