Humor é o grande trunfo do filme com roteiro e direção de Shane Black, a partir do original de Stan Lee
Cena do filme 'O Homem de Ferro 3', de Shane Black (Divulgação)
Sabemos que o Homem de Ferro é invencível, o próprio se define como “o melhor” e não há vilão que sobreviva a ele. Diante da previsibilidade, qual a graça de assistir ao terceiro filme da série (Iron Man 3, Estados Unidos, 2013)? Se nos aprofundarmos um pouco e entendermos que ele reflete a força comercial dos blockbusters e sua produção impecável e riquíssima, mas com pouco a dizer, o que sobra? O humor, seu grande trunfo.
O roteiro do próprio diretor Shane Black (a partir do original de Stan Lee) usa e abusa do direito de tirar onda de tudo. Pode ser da série britânica Downton Abbey, que o amigo do herói Happy Hogan (Jon Favreau) adora assistir, de um filme, das inúmeras referências pop, da mitologia do terrorista árabe e, claro, do próprio protagonista.
Outro dado que se acentua cada vez mais nas produções inspiradas nas HQs (que se tornaram altamente rentáveis e se consolidaram como cinema de entretenimento absoluto), é a ausência de seriedade. Fãs do gênero costumavam ser xiitas em relação aos heróis e os próprios eram sisudos, pois se viam na responsabilidade suprema de salvar o mundo.
Tudo nesta sequência contraria tais princípios. Portanto, Homem de Ferro 3 não é exatamente um filme de super-herói, mais uma comédia. Daí que não tem importância alguma a história ser batida, pois o próprio roteiro assumidamente brinca com ela.
Em momento crucial, Tony Stark (Robert Downey Jr.) está próximo de acabar com o vilão Dr. Aldrich Killian (Guy Pearce), porém, a armadura se despedaça segundos antes de chegar a ele. Ou, depois de sequência de acertos ele está pronto para receber as glórias da façanha, mas se quebra em batida contra um trem. Com estes artifícios engraçados, Shane Black rompe com a seriedade e espanta os clichês do gênero. Nada mal.
E o humor, com raríssimas exceções, foge ao chulo e está muito longe do escatológico e do sexual — onipresentes nas comédias brasileiras recentes. Trata-se de comédia com leveza nascida das situações e do investimento nos diálogos, quase sempre escrito à base de ótimas tiradas.
Um exemplo: o ótimo garoto Ty Simpkins vive Harley, nerd que se torna eficaz ajuda para Tony Stark. Quando se conhecem, se estranham, mas acabam amigos. E algumas das melhores piadas nascem dessa relação. Outra ocorre quando Tony invade trailer para usar o computador e o dono descobre quem ele é. A cena é engraçadíssima e mostra como se sente o fã diante do ídolo.
O filme se sustenta sobre esses momentos (alguns, como o do fã, quase uma esquete) que alimentam a história. Sim, porque a história mesma é mero artifício. Tony sente-se inseguro e teme não conseguir proteger a namorada Pepper Potts (Gwyneth Paltrow, outra que tem seu instante de graça) de Mandarim (Ben Kingsley). E faz sentido porque o sujeito destruiu sua mansão e ele é dado por morto.
Por traz deste está o verdadeiro vilão, o tal do Dr. Aldrich Killian, e tudo o que veremos se insere dentro da previsibilidade de um roteiro do gênero que chega à terceira edição. Ou seja, plot que serve apenas para alinhavar o mais interessante: o humor e, em alguma medida, o efeito especial.
Sobre este, vale comentário à parte. Efeitos ficam velhos quando surgem na tela. A não ser aqueles que não foram criados apenas para demonstrar virtuosismo tecnológico, mas que estão a serviço do roteiro. Pois 'Homem de Ferro 3' também surpreende neste quesito, pois todos os efeitos fazem algum sentido para a história, alguns bem criativos, como o do espetacular acidente de um avião.
Quando, porém, foge do humor (como a sessão final, a dos confrontos) a mesmice se instaura.
Tempo demais para tiros, porradas, correrias, violências, destruição e lutas. Mas o público alvo (os jovens) deve adorar e, portanto, serve-se segundo o paladar do freguês. Por fim, um comentário sobre as trilhas de filmes do gênero. Além de onipresentes, estão ficando cada vez mais parecidas. Seria um bom exercício assistir a Homem de Ferro 3 com a trilha do Oblivion (de Joseph Kosinski, em cartaz nos cinemas) e vice-versa. Ninguém vai perceber a diferença.