ESTREIA

Longa de Guillermo Del Toro chega a Campinas

Indicado a 13 categorias do Oscar, 'A Forma da Água' é fábula sobre pessoas ignoradas

Estadão Conteúdo
31/01/2018 às 20:00.
Atualizado em 22/04/2022 às 09:29
Cena do filme 'A Forma da Água', de Guillermo Del Toro (DIVULGAÇÃO)

Cena do filme 'A Forma da Água', de Guillermo Del Toro (DIVULGAÇÃO)

Era uma vez um garotinho chamado Guillermo del Toro, que, aos 6 anos, costumava assistir a um filme na TV todos os domingos em sua casa em Guadalajara, México. Num determinado domingo, foi a vez de 'O Monstro da Lagoa Negra' (1954), de Jack Arnold. Quando viu a criatura nadar por baixo da atriz Julie Adams, metida num maiô branco, foi uma revelação. “Eu tinha 6 anos e senti algo inexplicável por ela”, disse, entre risos, em entrevista à reportagem em Londres. “E senti algo pela criatura que também era inexplicável. Achei que aquela cena era a coisa mais linda que tinha visto. Pensei que os dois iam terminar juntos, e não acontece.” Foi assim que nasceu 'A Forma da Água', que concorre a 13 Oscars, incluindo melhor direção — se Del Toro ganhar, vai ser a quarta vez que um mexicano leva o troféu na categoria em cinco anos, juntando-se a seus grandes amigos Alfonso Cuarón (em 2014, com 'Gravidade') e Alejandro González Iñárritu (em 2015 com 'Birdman' e em 2016 com 'O Regresso'). O sonho do pequeno Guillermo levou 47 anos para chegar às telas. “Não tinha achado uma maneira de contar a história espiritualmente, emocionalmente, politicamente”, explicou o diretor. Eis que, em 2011, num café da manhã, Daniel Kraus lhe contou que tinha a ideia de um filme sobre uma faxineira trabalhando numa instalação secreta do governo que conhece um homem anfíbio mantido lá e o leva para casa. “Percebi que era a maneira de fazer, porque é o tipo de pessoa em quem ninguém presta atenção, que conseguiria levar a criatura para casa”, contou Del Toro. E foi assim que nasceu sua fábula sobre Elisa (Sally Hawkins), uma faxineira muda que se apaixona pelo homem anfíbio (Doug Jones) e conta com o apoio de amigos como Giles (Richard Jenkins) e Zelda (Octavia Spencer). Para fazer seu conto de fadas com toques de suspense, musical e filme de espionagem, Del Toro situou a história em 1962, no auge da Guerra Fria. “Quando alguns americanos dizem: ‘Vamos tornar a América grande novamente’ (slogan do presidente Donald Trump), eles sonham com essa época, com Kennedy na Casa Branca, corrida espacial, TV, vida no subúrbio, dinheiro abundante do pós-guerra. E tudo era lindo para quem era homem, branco e heterossexual”, diz Del Toro. “Mas para o resto não era legal, tinha racismo, machismo, narcisismo, movimento de pensamento positivo. Tudo o que nos transformou no que somos hoje”, complementa o diretor. Assim, ele povoou sua fábula de “outros”: um monstro que só se comunica pelo olhar e por gestos submetido a experimentos, Elisa, uma faxineira muda, sua amiga Zelda, também faxineira e negra, e Giles, um pintor que precisa esconder a homossexualidade. “O filme é sobre pessoas esquecidas, ignoradas”, disse Jenkins, que concorre ao Oscar de coadjuvante. “Sempre prestei atenção nelas, desde criança. Tinha um cara que ficava horas olhando a vitrine no pet shop. Sempre imaginava quem era, onde morava.” O cineasta levou três anos na criação do homem anfíbio, com ajuda do escultor Mike Hill. “Tinha de ser uma mistura de animal, protagonista de cinema, deus e monstro de filme”, disse Del Toro. Acima de tudo, necessitava ser alguém por quem uma mulher podia se apaixonar. Essa mulher precisava ser interpretada por uma atriz que “ouvisse e olhasse muito bem”. A inglesa Sally Hawkins sempre foi sua primeira escolha e estava no projeto desde que vendeu a ideia para o estúdio Fox Searchlight. “Porque se ela olha a criatura como um pedaço de borracha, acabou. E Sally olhou para ele e realmente gostou. Ela ficou nervosa em sua presença, meio que se apaixonou pela criatura.” Fascinado por monstros e mundos fantásticos, Del Toro lamenta que o formato ancestral das parábolas e contos de fadas tenha cedido espaço quase totalmente ao realismo. “Na era da razão, entronamos a razão e destronamos as fábulas. Mas essa é minha catedral”, disse. “Para mim, elas abrangem todas as artes e servem como espelho de quem somos e onde vivemos.” 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por