CRÍTICA

Longa 'A Hospedeira' vai na cola da série 'Crepúsculo'

Mas este filme, baseado em obra de Stephenie Meyer, está em patamar acima da saga de vampiros

João Nunes
30/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:31
Cena do filme 'A Hospedeira' (The Host, Estados Unidos, 2013), de Andrew Niccol (Divulgação)

Cena do filme 'A Hospedeira' (The Host, Estados Unidos, 2013), de Andrew Niccol (Divulgação)

Se tomarmos a série Crepúsculo como parâmetro, seu direto descendente 'A Hospedeira' ('The Host', Estados Unidos, 2013), de Andrew Niccol, em cartaz nos cinemas, pode ser considerado obra-prima. O que não significa muito, pois o último exemplar da referida série, 'Amanhecer - Parte 2' (Bill Condon), foi absoluto sucesso de público, mas um fiasco no quesito qualidade — ganhou sete Framboesas de Ouro, o Oscar dos piores do ano, em 2012.

A começar pela produção, 'A Hospedeira' está em patamar acima de seus antecessores — baseados nos best-sellers de Stephenie Meyer, também autora do livro que originou o longa de Andrew Niccol. Sai a tosquice de 'Crepúsculo' e entra, por exemplo, um cenário minimamente aceitável, até porque estamos em uma ficção científica.

Bem, se levado a sério, há inúmeros tópicos questionáveis. O futuro é algo muito distante, a humanidade está quase extinta (seriam necessários milhões de anos) e os alienígenas dominaram a Terra. No entanto, temos carrinhos bem pangarés (eles não deveriam estar voando?), os computadores ainda têm teclado (não disseram que eles iam acabar?) e estão conectados por fio em tomadas (para onde foram os iPads?).

Na caverna onde moram sobreviventes humanos não há nada parecido com casa — a caverna da Capadócia na telenovela 'Salve Jorge' (Rede Globo) é bem mais convincente. Eles tomam banho porque há uma cachoeira e comem porque plantam trigo. Isso é tudo. Como fazem com as outras atividades normais cotidianas (banheiro, roupas, comidas, camas, armários, artefatos básicos de uso imprescindível) ninguém sabe.

Se, entretanto, tudo o mais compensasse, a verossimilhança entraria como mero detalhe. Ocorre que os problemas fílmicos também são bem complicados. Não há personagens, mas tipos: a mocinha Melanie (Saoirse Ronan), o irmão caçula (Chandler Canterbury), o namorado Jared (Max Irons), o rival do namorado Ian (Jake Abel), o mestre (William Hurt) e a vilã (Diane Kruger).

Relações humanas inexistem. É um bando de pessoas falando textos chinfrins com solenidade de tragédia grega, mas ninguém parece ter alma. São tão robotizados quanto os alienígenas — a diferença é que estes possuem olhos brilhantes e, ironicamente, são chamados de almas. Não há atitudes humanas ou sentimentos próprios que conduzam a narrativa. Tudo soa plano e sem emoção — ainda que, vira e mexe, deparemos com lágrimas fakes. Felizmente, a boa trilha do brasileiro Antonio Pinto se mantém discreta, o que é um mérito em produções do gênero.

Com um fio narrativo mínimo — todos os humanos devem ser transformados em alienígenas, mas alguns resistem — o filme transita entre dois mundos: o futuro nem tão bombástico assim dos aliens e a caverna primitiva dos humanos, onde estes se escondem para não serem pegos. Entretanto, ser aliens nem é tão ruim assim. Eles são bondosos, civilizados, vivem em paz — características que geram boas piadas.

Toda a filosofia da trama reside no fato de que ser humano é algo bom. Os aliens não acham. Dizem que estes guerreiam e se destroem, e são movidos a sentimentos e a impulsos. Enfim, uns chatinhos. Desta maneira, a ação dos estrangeiros na terra para impor o que chamam de paz parece ter seu mérito.

É aqui que entra a ingênua visão de mundo de Stephenie Meyer, pois ela encontra meio-termo e faz o impensável: a humana Melanie é transformada em alien, mas como o novo corpo dela tem bom coração, ele a hospeda e a leva à caverna dos humanos. Ou seja, a escritora propõe uma paz real baseada na harmonia entre os opostos. Nem John Lennon, com seu mundo sem fronteiras e sem guerras, foi tão longe.

Porém, quem domina o tal corpo é a própria Melanie. Ela dá as coordenadas e o corpo obedece. Como temos duas pessoas em um só espaço (subvertendo a lei da física), as piadas involuntárias são onipresentes. E aqui surge outro dado positivo: a capacidade do filme de, a partir de tema sério, nos fazer rir.

Assim, 'A Hospedeira' seria comédia. Sim, porque não há como não rir quando, no mesmo corpo, a humana apaixonada por Jared briga com a alien, que está apaixonada por Ian. A confusão é, no mínimo, surreal. Assim como o desfecho inacreditável.

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