Mas este filme, baseado em obra de Stephenie Meyer, está em patamar acima da saga de vampiros
Cena do filme 'A Hospedeira' (The Host, Estados Unidos, 2013), de Andrew Niccol (Divulgação)
Se tomarmos a série Crepúsculo como parâmetro, seu direto descendente 'A Hospedeira' ('The Host', Estados Unidos, 2013), de Andrew Niccol, em cartaz nos cinemas, pode ser considerado obra-prima. O que não significa muito, pois o último exemplar da referida série, 'Amanhecer - Parte 2' (Bill Condon), foi absoluto sucesso de público, mas um fiasco no quesito qualidade — ganhou sete Framboesas de Ouro, o Oscar dos piores do ano, em 2012.
A começar pela produção, 'A Hospedeira' está em patamar acima de seus antecessores — baseados nos best-sellers de Stephenie Meyer, também autora do livro que originou o longa de Andrew Niccol. Sai a tosquice de 'Crepúsculo' e entra, por exemplo, um cenário minimamente aceitável, até porque estamos em uma ficção científica.
Bem, se levado a sério, há inúmeros tópicos questionáveis. O futuro é algo muito distante, a humanidade está quase extinta (seriam necessários milhões de anos) e os alienígenas dominaram a Terra. No entanto, temos carrinhos bem pangarés (eles não deveriam estar voando?), os computadores ainda têm teclado (não disseram que eles iam acabar?) e estão conectados por fio em tomadas (para onde foram os iPads?).
Na caverna onde moram sobreviventes humanos não há nada parecido com casa — a caverna da Capadócia na telenovela 'Salve Jorge' (Rede Globo) é bem mais convincente. Eles tomam banho porque há uma cachoeira e comem porque plantam trigo. Isso é tudo. Como fazem com as outras atividades normais cotidianas (banheiro, roupas, comidas, camas, armários, artefatos básicos de uso imprescindível) ninguém sabe.
Se, entretanto, tudo o mais compensasse, a verossimilhança entraria como mero detalhe. Ocorre que os problemas fílmicos também são bem complicados. Não há personagens, mas tipos: a mocinha Melanie (Saoirse Ronan), o irmão caçula (Chandler Canterbury), o namorado Jared (Max Irons), o rival do namorado Ian (Jake Abel), o mestre (William Hurt) e a vilã (Diane Kruger).
Relações humanas inexistem. É um bando de pessoas falando textos chinfrins com solenidade de tragédia grega, mas ninguém parece ter alma. São tão robotizados quanto os alienígenas — a diferença é que estes possuem olhos brilhantes e, ironicamente, são chamados de almas. Não há atitudes humanas ou sentimentos próprios que conduzam a narrativa. Tudo soa plano e sem emoção — ainda que, vira e mexe, deparemos com lágrimas fakes. Felizmente, a boa trilha do brasileiro Antonio Pinto se mantém discreta, o que é um mérito em produções do gênero.
Com um fio narrativo mínimo — todos os humanos devem ser transformados em alienígenas, mas alguns resistem — o filme transita entre dois mundos: o futuro nem tão bombástico assim dos aliens e a caverna primitiva dos humanos, onde estes se escondem para não serem pegos. Entretanto, ser aliens nem é tão ruim assim. Eles são bondosos, civilizados, vivem em paz — características que geram boas piadas.
Toda a filosofia da trama reside no fato de que ser humano é algo bom. Os aliens não acham. Dizem que estes guerreiam e se destroem, e são movidos a sentimentos e a impulsos. Enfim, uns chatinhos. Desta maneira, a ação dos estrangeiros na terra para impor o que chamam de paz parece ter seu mérito.
É aqui que entra a ingênua visão de mundo de Stephenie Meyer, pois ela encontra meio-termo e faz o impensável: a humana Melanie é transformada em alien, mas como o novo corpo dela tem bom coração, ele a hospeda e a leva à caverna dos humanos. Ou seja, a escritora propõe uma paz real baseada na harmonia entre os opostos. Nem John Lennon, com seu mundo sem fronteiras e sem guerras, foi tão longe.
Porém, quem domina o tal corpo é a própria Melanie. Ela dá as coordenadas e o corpo obedece. Como temos duas pessoas em um só espaço (subvertendo a lei da física), as piadas involuntárias são onipresentes. E aqui surge outro dado positivo: a capacidade do filme de, a partir de tema sério, nos fazer rir.
Assim, 'A Hospedeira' seria comédia. Sim, porque não há como não rir quando, no mesmo corpo, a humana apaixonada por Jared briga com a alien, que está apaixonada por Ian. A confusão é, no mínimo, surreal. Assim como o desfecho inacreditável.