A criatividade ultrapassou os textos no mercado editorial, os livros estão com novos formatos, recursos de som e imagem, dobraduras e muitas firulas para atrair os leitores
A escritora e editora Laura Del Rey solta a imaginação para criar publicações que atendam ao público que aprecia a ousadia editorial (Divulgação)
O mercado mudou, os preços subiram e a venda de livros diminuiu seu índice de crescimento. Mas a criatividade sempre arruma uma forma de despertar o interesse do leitor. É o que tem feito as pequenas editoras, que trabalham com tiragens menores e, por isso, podem inventar novas modas. Uma passeada rápida por livrarias que oferecem a produção de editoras alternativas revela muitas surpresas e os responsáveis são os profissionais que inovam na apresentação de seus conteúdos.
"O público mais independente aprecia muito a ousadia editorial e esta é uma característica de editoras menores que podem usar diferentes formatos, tipos de papel e impressão serigráfica. Além disso, o trabalho de designers inovadores ajuda a narrar o livro com suas ilustrações. São soluções graficamente viáveis para pequenas tiragens e as editoras estão experimentando novas possibilidades, explorando a conexão entre a forma e o conteúdo", conta Laura Del Rey, sócia de uma editora independente.
Um livro em forma de cartas, já viu? Pois tem! E cada capítulo vem embalado em um envelope, cuidadosamente ilustrado por uma pintura. São 12 envelopes e em cada um tem uma história, escrita por várias mulheres de diferentes cidades do mundo (de Buenos Aires a Tóquio). O nome da coletânea é "Queria ter ficado mais". Esses envelopes, que representam os capítulos do livro, são unidos por uma cinta de papel, onde estão as informações técnicas da publicação. Ao abri-los, é como se o leitor tivesse recebido uma correspondência da escritora.
Uma fachada diferente. Já pensou em escolher a cor da capa que mais lhe agrada? Essa é uma surpresa do livro ilustrado do gaúcho Rafael Sica, chamado "Fachadas". Graças à impressão em serigrafia sobre papelão colorido, são diversas opções de capa para o leitor definir a cor de fundo e tinta que mais o agradam. Fechado, ele parece um pequeno livreto no formato 10cm x 15cm. Mas aberto é uma surpresa: a lombada se desconstrói em dobraduras no formato sanfona e se torna uma tira de três metros de extensão. Os desenhos de casas antigas em traços de nanquim captam instantes de universos residenciais a partir da perspectiva da calçada. No verso de cada ilustração há desenhos de objetos que ampliam as possibilidades de interpretações desse passeio pela rua imaginária. Ao ser aberto, parece formar uma grande rua.
"Nós dedicamos afeto ao fazer editorial, somos apaixonados pela junção de forma e conteúdo para ampliar a mensagem a mais leitores", diz Martin Restrepo, sócio de uma editora criativa. Um exemplo é o livro baralho chamado de "Ludopoieses", o jogo da poesia, em versão português e espanhol. A ideia é ser "um oráculo para o século XXI, um jogo de perguntas para gerar mais perguntas, um chamado para a reflexão pessoal e coletiva, uma ferramenta de conhecimento pessoal, que propõe ver o mundo em quatro perspectivas que ajudam a construir um futuro melhor", explica. Cada carta tem um texto de Juan Pablo Calderón e um desenho de Adriana Santamaria. "Palavras e imagens para a sua busca por uma resposta. Ou nova pergunta", conta o editor.
Inovações aqui e acolá
O campineiro Helder Kawabata começou praticando costura em experimentos gráficos e em 2015 passou a trabalhar com encadernação artesanal para presentear amigos. Se mudou para o Rio Grande do Sul para estudar artes visuais e durante o curso conheceu a técnica da gravura. Daí iniciou a produção de fanzines (publicações artesanais), trabalho que deu continuidade na volta para Campinas, em 2020. Agora, cursando pós-graduação em designer gráfico, trabalha como autônomo em um novo nicho editorial, que envolve a ilustração artística, dobraduras e papelaria. Sua última produção editorial é "Gojira", um livro sanfona com 11 dobras, que conta a história de criação e os bastidores do filme "Godzilla" (1954), que foi inspirado no medo das guerras atômicas.
No universo infanto juvenil, os livros impressos enfrentam a grande concorrência dos meios digitais. Para ampliar o prazer da leitura em mídias impressas, as publicações começam a interagir com a realidade aumentada e a inteligência artificial. É o caso de "Três Monstros de Mentira", escrito por Kátia Rocha e ilustrado por Eloar Guazzelli. A publicação celebra o poder da imaginação infantil e, com a ajuda de um aplicativo de celular, introduz som e movimento às ilustrações. Também nesta linha, outra editora inovou lançando o audiolivro "Rumi", de Caio Zero, que traz uma história em quadrinhos recomendada para leitores a partir de oito anos.
Em relação à impressão, as editoras alternativas também têm ousado em publicações diferenciadas. É o caso do ziniposter "O regador verde", que se desdobra inteiro para a leitura do poema de Laura Del Rey e ilustrações de Gui Athayde, e foi impresso em risografia (técnica japonesa considerada uma versão evoluída do mimeógrafo).
O pedagogo Pedro Anasi teve dificuldades para imprimir sua tese de graduação por falta de recursos. Pensando nisso, criou sua própria gráfica e editora, onde usa a técnica de impressão digital a laser, com processo manual de aplicação da película 'foil" (decalque metalizado) com prensa quente. A editora nasceu em Campinas e hoje está sediada no Vale do Paraiba, onde trabalha com financiamentos coletivos e prioriza publicações antirracistas.