PROSTITUIÇÃO

Livro revela anos de ouro de cabarés

Obra de historiadora campineira mostra mercado do sexo "rico e prestigiado" entre 1930 e 1960

Rogério Verzignasse
02/06/2013 às 11:05.
Atualizado em 25/04/2022 às 13:49

O prédio belíssimo, em estilo normando, tinha escadarias sinuosas, terraço de mármore, jardim belíssimo. Lá dentro, havia biombos japoneses, cortinas e abajures finos, piano de cauda, lençóis de seda. Os clientes bebiam champanha francesa. Aquele era o Castelinho Azul, casa de prostituição refinada, parada obrigatória de políticos, médicos, juízes, empresários. O imóvel, de três andares, na esquina das ruas Conceição e Boaventura do Amaral, virou símbolo de uma época. Entre as décadas de 30 e 60, o mercado do sexo em Campinas era rico e prestigiado. As mulheres de programa _ algumas estrangeiras _ recebiam clientes fidelíssimos: senhores distintos, de sobrenomes pomposos.

O cotidiano no Castelinho é detalhado no livro Pernas Cruzadas, Meias Rendadas: Desvendando Histórias de Campinas, que acaba de ser escrito pela historiadora Ana Maria Negrão. Ela passou os últimos dois anos fazendo entrevistas e pesquisando, em centros de memória, documentos que remetiam à prostituição em Campinas nas décadas que precederam o surgimento do Jardim Itatinga, bairro criado para ser zona de meretrício.

Com base nos depoimentos de dezenas de antigos frequentadores, historiadores e jornalistas veteranos, a pesquisadora redigiu relatos sobre as “casas de tolerância” espalhadas pelo Centro, Parque Taquaral, Jardim Nossa Senhora Auxiliadora, Bonfim, Botafogo, Proença. Negócios lucrativos, administrados por senhoras famosas: Geny, Lola, Paraguaia, Maria Lúcia, Lourdes, Maria Alice, Irma...

Entre as décadas de 30 e 50, a prostituição fazia parte da cultura da sociedade. “Nos lares de família, o leito era rodeado por terços, crucifixos, genuflexórios. O marido dividia a cama com a esposa recatada, mãe de seus filhos. Mas a busca pelo sexo prazeroso acontecia mesmo nas casas de prostituição”, diz. “As senhoras da alta sociedade sabiam disso, e simplesmente não se incomodavam.”

As prostitutas eram verdadeiras professoras de sexo. E iniciavam os meninos de 12 ou 13 anos, levados pelos próprios pais.

O interesse da professora pelo assunto nasceu há mais de trinta anos, quando ela conheceu, no Jardim Itatinga, religiosas que acolhiam crianças do bairro e promoviam uma festa de Natal. Na época, Ana Maria integrou um grupo de senhoras beneméritas que fundou, no Jardim Santa Cândida, uma creche que abria vagas para filhos de mulheres de programa, desde que elas concordassem em deixar a prostituição e se dedicassem à própria reintegração social. A proposta sociológica, no entanto, despertou na professora o interesse em vasculhar a história do mercado do sexo em Campinas. Um assunto considerado tabu, mas muito presente no cotidiano da cidade.

Símbolo de status

As décadas escolhidas foram justamente aquelas em que as casas de tolerância (antes do forçado exílio no Itatinga), serviam para simbolizar status. As cafetinas andavam ricamente trajadas pela cidade, E os programas eram fechados com clientes de cantinas, mercearias, barzinhos, lojas, oficinas.

As donas faziam das casas redutos luxuosos, e as mantinham com janelas fechadas. Todo mundo sabia onde eram os “inferninhos” e o que acontecia lá dentro, pois a fama dos lugares corria. Mas tudo era muito discreto, elegante.

Além dos campineiros influentes, circulavam naqueles quartos empresários importantes da região toda. E os programas movimentavam muito dinheiro.

Aparências

E, claro, muitos clientes endinheirados se preocupavam em manter as aparências. Eles recorriam, sim, às meninas de programa para realizar fantasias impublicáveis, mas simplesmente não queriam ser vistos no portão de um prostíbulo.

Por isso, o cidadão de casta nobre tratava de negociar o encontro com as prostituas em locais acima de qualquer suspeita. As “taxi girls” eram levadas a hoteis tradicionalíssimos, que mantinham acordos com as cafetinas.

Até o Bosque dos Jequitibás, espaço de lazer de famílias, escondia o mercado do sexo. Houve um período em que um badalado restaurante do parque, sempre lotado, reservava quartos para encontros especiais. E uma campainha ma mesa do gerente avisava quando os garçons podiam levar as bebidas.

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