Gabo ainda vive

Livro póstumo de García Márquez reacende interesse por seu legado

Gabriel García Márquez comemoraria 97 anos neste dia 6 de março não houvesse falecido em 2014

Aline Guevara/ [email protected]
06/03/2024 às 09:43.
Atualizado em 06/03/2024 às 09:47
No final dos anos 60, Gabriel García Márquez é fotografado com um exemplar de ‘Cem Anos de Solidão’ na cabeça — obra que lhe rendeu o Nobel de Literatura; depois disso, outros livros de sucesso vieram, como ‘O Amor nos Tempos do Cólera’ e ‘Crônica de uma Morte Anunciada’ (Divulgação/ Reprodução)

No final dos anos 60, Gabriel García Márquez é fotografado com um exemplar de ‘Cem Anos de Solidão’ na cabeça — obra que lhe rendeu o Nobel de Literatura; depois disso, outros livros de sucesso vieram, como ‘O Amor nos Tempos do Cólera’ e ‘Crônica de uma Morte Anunciada’ (Divulgação/ Reprodução)

Estamos há quase uma década sem a presença física de Gabriel García Márquez, falecido em abril de 2014, mas para seus leitores, o escritor colombiano ainda vive nas páginas que deixou em sua extensa obra. “Gabo”, como era conhecido, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura com “Cem Anos de Solidão”, mas também deixou uma série de títulos aclamados, como “O Amor nos Tempos do Cólera”, “Crônica de uma Morte Anunciada” e “Memórias de Minhas Putas Tristes” – até então seu último livro publicado em vida, em 2014. Mas isso muda hoje com a publicação de “Em Agosto nos Vemos” (editora Record). O romance póstumo inédito foi o último esforço criativo do artista, de acordo com seus filhos.

“Em Agosto nos Vemos” retrata sua protagonista, Ana Magdalena, como uma mulher que descobre seus desejos e se aprofunda em seus medos. Ainda segundo os filhos de Gabo, Rodrigo e Gonzalo García Barchanova, a obra reúne algumas das características centrais da literatura do pai: “sua capacidade de criação, o apreço pela poesia da linguagem, a narrativa cativante, seu entendimento do ser humano e o carinho por suas experiências e desventuras, principalmente no amor, possivelmente o tema principal de toda sua obra”.

REALISMO MÁGICO

Nascido em 1927 na pequena cidade de Aracataca, na Colômbia, Gabo foi inicialmente criado ali pelos avós Doña Tranquilina Iguarán e o coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía. As influências da infância e a cultura popular colombiana foram algumas das inspirações do escritor, que transformou os cenários de seu país natal em ambientação para as suas histórias, desbravando uma vertente literária que se tornou emblemática em sua obra. Segundo Antonio Alcir Bernardez Pécora, professor de Teoria Literária, no Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, Gabo foi o “carro-chefe” do chamado realismo mágico. “Nele, a descrição da realidade política do continente sul-americano, com ditaduras a serviço do interesse de multinacionais, era contraposto às histórias fantásticas vividas pelo povo que, de uma forma ou de outra, resistia à brutalidade da repressão com encantos e tradições.”

UMA VIAGEM FANTÁSTICA

O jornalista Tiago Gonçalves, que mora em Campinas, viveu e ainda vive uma jornada fantástica – bem de acordo com a literatura de Gabo — em sua relação com o escritor e seus livros. Ele lembra que começou pelo que era o último, o “Memórias de Minhas Putas Tristes”, e ali percebeu uma relação próxima de sua própria criação, como mineiro de Três Corações, com o universo do escritor. “Essa ideia do real que faz fronteira com o sobrenatural e que faz parte do cotidiano das pessoas. Você não sabe se é real ou não, mas isso se mistura muito naturalmente. Ele foi um grande contador de histórias.” Pelas contas dele, faltam dois ou três livros para terminar de ler a obra completa, além do recém-lançado “Em Agosto nos Vemos”. 

Fã confesso, Tiago viajou de férias em 2016 para conhecer essa tal Colômbia tão especial de Gabo. Em uma reviravolta mágica, digna das páginas de um livro, ele descobriu pelos guias locais que as cinzas do escritor, que foi cremado depois da morte, estavam chegando a Cartagena das Índias para serem depositadas na Praça Central del Claustro de la Merced. Como jornalista, teve acesso à cerimônia de despedida ao lado de familiares e amigos, coletou relatos e guardou memórias. Na época, fez uma reportagem especial para o Correio Popular sobre a experiência vivida. “Eu brinco que escrevi esse texto em pé, no teclado espanhol todo desconfigurado”, lembra. 

“Eu me senti em Macondo (cidade fictícia de “Cem Anos de Solidão”)”, disse Tiago sobre a visita a Aracataca em uma segunda viagem à Colômbia, em 2019. “Primeiro é aquele calorão sufocante que é descrito no livro; há a parada, chamada sesta, que todo mundo faz depois do almoço; e eu vi as pedras de aspecto de ovo de dinossauro na beira do rio. E tem a casa que foi construída inspirada no lar dos avós. Tudo me lembrava cenas do livro.” Para o jornalista, deu para entender que o realismo mágico característico começou a surgir da “relação dele com avô, coronel, pragmático, realista e que se contrapunha com a visão da avó, que era supersticiosa, falava das assombrações e dos fatos sobrenaturais. Ele foi se munindo desses dois lados. Marcou a escrita dele”.

Tiago lembra de uma outra anedota, que guarda com carinho. “Em ‘Cem Anos de Solidão’, tem um personagem que toda vez que chega, porque está apaixonado, surge com borboletas amarelas ao redor. Na viagem, eu estava esperando ver a borboleta amarela e o guia me disse que não aparecia com tanta frequência. Até que, na estação de trem de Aracataca, apareceu uma. Nem consegui tirar foto, mas ficou na memória.” A borboleta amarela apareceu novamente, já em terras brasileiras, quando o jornalista lia o livro “Gabo e Mercedes”, de Rodrigo Garcia, uma homenagem do filho ao relacionamento dos pais.

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