A obra de Fabiana Anjos relata conversas com moradores de rua de Campinas
O livro foi lançado em agosto de 2021, após ter a primeira edição impressa com orçamento de crowdfunding (financiamento coletivo) (Dimitri Lomonaco)
Fabiana de Almeida Anjos, 34 anos, gosta de escrever e dar aulas. Ela sempre repete que "a docência é a minha praia". A educação básica tem sua dedicação, embora já tenha dado aulas na pós-graduação de universidades em Campinas. Estudiosa, se formou em Letras na Unicamp, onde também concluiu mestrado em Linguística Aplicada. Compositora, conquistou concurso de samba e gravou CD. E é transitando entre muitas artes que ela lançou no ano passado seu primeiro livro, fruto de uma pesquisa acadêmica: "Se Essa Rua Fosse Minha - moradores de rua: sobre a (des)valorização de si", pela editora Ofícios Terrestres. A publicação está inscrita no prêmio Jabuti, que revela os finalistas de cada categoria nesta terça (dia 25).
A pesquisa junto a moradores de rua do Centro de Campinas foi realizada dez anos antes da edição do livro, para um trabalho de iniciação científica. "Pesquisei primeiro a bibliografia sobre o tema, com questões de marginalidade e poder, vigilância, docilidade e a questão dos 'anormais', que é como essa população é vista pela sociedade. Depois fui às ruas para as entrevistas, e esse foi um período de grande aprendizado, muitas lições de vida e surpresas", relata a autora. Quando teve acesso ao edital para ensaio acadêmico da Ofícios Terrestres Edições, Fabiana entendeu que o tema ainda estava atualizado e remodelou o trabalho, que ganhou prefácio da orientadora Maria José Coracini.
O estigma
"A pandemia acentuou a asquerosidade com que a sociedade olha para essa população, que foi mais estigmatizada por ser vista como potencialmente contaminante", comenta a autora. De todas as histórias relatadas, um traço em comum foi observado por Fabiana: "em uma mesma fala existe uma grande carga de valorização e também de desvalorização da pessoa, ao falar sobre si mesma", comenta.
Uma situação recorrente entre os moradores das ruas, segundo Fabiana, é o uso excessivo de álcool e outras drogas, que atrapalha as possibilidades de equilibrar vivências, relacionamentos ou trabalho. Entretanto, muitos trabalham e recebem apelos para voltar à família, mas não conseguem se encaixar em modelos rígidos e regrados.
As entrevistas foram realizadas em locais como os arredores do Terminal Central, do Mercadão, as escadarias da Catedral e outras ruas do centro. Foram selecionados cinco depoimentos que deram o tom do livro, que tem 86 páginas. "Cada dia que eu ia para a rua entrevistar alguém, ia preparada para aprender muito mais do que os livros estavam me dizendo, mais que toda teoria acerca de marginalidade e populações excluídas", relata.
A produção
O livro foi lançado em agosto de 2021, após ter a primeira edição impressa com orçamento de crowdfunding (financiamento coletivo). O editor Gabriel Morais Medeiros conta que se sentiu motivado a fazer publicação porque "o conteúdo é muito relevante do ponto de vista social e a construção do texto é interessante, me agradou como leitor". A Ofícios Terrestres Edições (www.oficiosterrestres.com.br) foi fundada em Campinas em 2019 e Gabriel salienta que "questões como essa dos moradores de rua precisam ser comentadas e discutidas, pois se tornaram um quadro de tragédia social".
"Se Essa Rua Fosse Minha"- com 86 páginas e ilustrado com fotos em branco e preto feitas pelo fotógrafo campineiro Gabriel Resende - foi pré-selecionado para o prêmio Jabuti, no formato de pesquisa acadêmica na categoria Ciências Humanas. Este ano concorrem às 20 categorias exatos 4.290 livros, cerca de 25% mais que no ano passado. Os dez semifinalistas de cada categoria serão revelados no dia 25 de outubro e a segunda lista, com os cinco finalistas de suas respectivas categorias, será apresentada no dia 08 de novembro.