LANÇAMENTO

Leitura com gostinho de lembrança

Livro À Mesa com Proust traz receitas inspiradas no clássico Em Busca do Tempo Perdido

Fábio Trindade
07/10/2013 às 11:36.
Atualizado em 25/04/2022 às 01:19
Foto de Proust ainda jovem e delicadas tortas, receitas preparadas pelo chef Alain Senderens (Divulgação)

Foto de Proust ainda jovem e delicadas tortas, receitas preparadas pelo chef Alain Senderens (Divulgação)

“Na hora em que eu descia para saber qual era o cardápio do jantar, o serviço já começara, e Françoise, comandando as forças da natureza tornadas suas auxiliares, como nas séries em que os gigantes se fazem empregar como cozinheiros, remexia o carvão, levava ao vapor algumas batatas para estufá-las e fazia o fogo dar ao devido ponto as obras-primas culinárias (...). Parava para olhar, sobre a mesa, onde a criada de cozinha acabava de descascá-las, as ervilhas alinhadas e contadas como bolinhas verdes num jogo; mas o meu encanto ia todo para os aspargos, embebidos em ultramar e rosa, e cujo talo, finamente raiado de azul e malva, vai se degradando insensivelmente até o pé ainda manchado do chão em que estava por irisações que não pertencem à terra."Françoise era mesmo uma cozinheira de mão-cheia, daquelas que todos sonham em ter em casa por criar verdadeiras obras de arte — diariamente. Quem tinha essa prazer era o francês Marcel Proust, um dos maiores escritores de todos os tempos. Um mago das palavras e também dos sabores. Tanto que esse trecho foi retirado de No Caminho de Swann, volume um de Em Busca do Tempo Perdido, uma das obras mais ricas e complexas da história da literatura. Françoise aguçou o paladar do escritor nos muitos anos em que trabalhou em seu lar, tanto que ela é retratada em diversos de seus romances por meio da excelência de sua culinária.Proust também era um gourmet sofisticado e um anfitrião refinado. Todos à sua volta sabiam disso e desfrutavam de tais qualidades sempre que possível. E como ele conhecia e dominava o poder evocativo de um bom texto, juntava talentos e prazeres para criar detalhadas e memoráveis refeições em família, recheadas pela suntuosidade dos grandes salões de Paris da virada do século 19 para o 20. Uma gastronomia que encanta e atrai os fãs da boa comida até hoje.Sem o universo culinário criado no famoso livro do francês, obra não haveria. Tudo está relacionado ao olfato, ao paladar. “E logo que reconheci o gosto do pedaço da madeleine mergulhado no chá que me dava minha tia..., logo a velha casa cinzenta que dava para a rua, onde estava o quarto dela, veio como um cenário de teatro se colar ao pequeno pavilhão, que dava para o jardim (...).”A lembrança do narrador, da cidadezinha de Combray, onde passava as férias quando criança, dá saltos no tempo principalmente saboreando o biscoito chamado madeleine molhado no chá, já que o gosto fazia aflorar à sua consciência. Apenas um exemplo da culinária como contexto.E já que Proust estabelece em sua obra uma equivalência entre o escritor e o cozinheiro, nada melhor que celebrar esses dois prazeres. Porém, 'À Mesa com Proust' (Sextante Artes, 192 págs., R$ 59,90) faz mais que isso. A partir de uma seleção de textos de 'Em Busca do Tempo Perdido', o livro de Anne Borrel, Jean-Bernard Naudin e Alain Senderens que acaba de ser lançado, conduzido pelos paladares do autor, reconstitui a atmosfera e as receitas da época, literalmente. Desde ovos à cocotte a suflê de queijo, passando por carnes, peixes, sobremesas e a antológica madeleine, o chef francês Alain Senderens faz um convite para desfrutar de momentos privilegiados com 60 receitas que, além de guiarem na preparação dos pratos, compilam trechos de onde foram tiradas, com imagens dos resultados e da decoração refinada das mesas, além de fotos do francês e seus amigos nesse universo luminoso. “Marcel Proust nos mostra que o discurso da mesa pode ser uma via, se não real, pelo menos pertinente para a compreensão do inconsciente cultural do ocidente”, escreveu o chef.Fãs do escritor, cozinheiros natos, ou mesmo quem apenas aprecia boas refeições se sentirão tentados a colocar em prática o que Proust tanto admirava e repassava. Bon appétit!RECEITA MADELEINESIngredientes:90g + 1 colher de sopa de manteiga90g de farinha de trigo75g de açúcar10g de açúcar mascavo1 colher de chá de mel2 ovosSalModo de Preparo:Derreta a manteiga em fogo brando. Em uma tigela, bata juntos os ovos, o açúcar e o sal. Cerca de cinco minutos depois, adicione a farinha peneirada. Mexa com uma colher de madeira e adicione a manteiga derretida já fria e o mel. Misture bem, mas sem trabalhar muito a massa. Guarde na geladeira durante uma hora.Pré-aqueça o forno a 220° C (temperatura muito alta). Retire a massa da geladeira e deixe por meia hora em temperatura ambiente. Derreta a colher de manteiga e unte as forminhas antes de enchê-las com a massa.Se forem de tamanho pequeno, assarão em cinco minutos; se grandes, em dez minutos. Deixe que esfriem um pouco antes de servir.  SAIBA MAIS'À Mesa com Proust', de Anne Borrel, Jean-Bernard Naudin e Alain SenderensTradução: Ana Luiza Borges, Fernando Py, Maria Cecília D’EgmontEditora: Sextante Artes192 págs., R$ 59,90

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