O Caderno C conversou com o ator quando da temporada de 'O Camareiro' em Campinas, em março deste ano. Confira a seguir a entrevista
O ator Kiko Mascarenhas como o mordomo Gomes da série 'Mister Brau' (DIVULGAÇÃO)
Na TV, ele encarna figuras extremamente cômicas e escrachadas, como o Galeão Cumbica na nova 'Escolinha do Professor Raimundo' e o mordomo Gomes na série 'Mister Brau', cuja segunda temporada é exibida na Globo às terças. Porém, no teatro, o ator Kiko Mascarenhas mostra não apenas seu lado dramático ao atuar como o personagem-título da peça 'O Camareiro', como o excelente produtor que é. Afinal, foi ele o responsável por colocar o texto em cartaz, sendo aclamado por crítica e público. Conseguiu ainda levar Tarcísio Meira para a peça depois de 20 anos longe dos palcos, o que rendeu ao veterano artista o troféu de melhor ator na 28ª edição do Prêmio Shell de Teatro, o mais importante da categoria. O Caderno C conversou com o ator quando da temporada de 'O Camareiro' em Campinas, em março. Confira a seguir a entrevista. Caderno C — Sua figura está muito associada com a comédia, por causa da TV. As pessoas estranham ao lhe ver no teatro em um drama denso e difícil como 'O Camareiro'? Kiko Mascarenhas - Eu não sinto essa estranheza ou comparação entre trabalhos. Não consigo perceber. Elas embarcam na peça. E o personagem tem humor também, só que um humor ácido, bem debochado. Como o público já tem esse meu registro, eu sinto que eles vêm muito fácil comigo. Mas o personagem também tem uma boa dose de drama e isso faz com que talvez o público se surpreenda também. Você acredita que as pessoas precisam conhecer melhor os atores em vez de criar uma imagem e achar que é só isso? Acho que o público prestigiar o seu trabalho como ator na TV é incrível, a popularidade que isso traz é algo realmente mágico. É encantador ver como as pessoas se aproximam de você e te conhecem bem. Muitos me acompanham desde o início mesmo, eles se sentem até um pouco íntimos. É clichê, mas você entra na casa da pessoa. Só que quando eu comecei na TV, eu já tinha dez anos de teatro. E é no teatro que acontece o encontro entre o ator e o espectador. Pela televisão é outro viés, outro encontro. No teatro a aproximação é outra, e para nós atores isso é o interessante. O que você sente ao ver um ator no teatro, e digo isso por mim, ao ver atores que admiro, é algo que você não sente nunca diante da TV. 'Mister Brau' tem feito muito sucesso por ser uma comédia mais ácida. Como tem sido fazer parte dela como o mordomo Gomes? Incrível, porque o elenco, Lázaro (Ramos), Taís (Araújo), Luiz Miranda, são todos ótimos. O Gomes vai continuar fiel à Michele (Taís), mesmo agora que ela vai seguir carreira solo. Só que ele não vai ser mais tão formal, ele vem mais adaptado a esses artistas tão liberais e descontraídos. Ele está menos desconfortável, há pequenas mudanças já visíveis. Até dançar e cantar vou fazer este ano. O Tarcísio Meira não escondeu que ficou muito surpreso com o seu convite para 'O Camareiro'. Por que o escolheu? Quando eu li o texto pela primeira vez, o (autor) Ronald Harwood descreve o Sir em detalhes e esta descrição é o Tarcísio para mim. Um homem alto, forte, imponente, com uma presença muito marcante, uma figura que o público reconhece como um grande ator. Então à medida que eu ia lendo, todas as leituras que fiz, sozinho inclusive, você faz uma escalação na sua cabeça, e eu pensava nele o tempo todo. Obviamente pensei em outros nomes, mas o Tarcísio era recorrente, então conversei com o Ulysses Cruz, o diretor, e ele falou para a gente convidar. A gente já parte do não, mas vamos tentar. Para nossa surpresa e alegria, ele se apaixonou pelo personagem, porque ele é muito bom mesmo, muito bem construído, cheio de nuances, e deu certo. Depois disso, foi só escalar os demais atores, eu já estava apaixonado pelo Camareiro, e fomos construindo a peça. Trata-se de uma peça dos sonhos, pois tem um elenco enorme, excelente texto, ótimas críticas, com bom cenário, ou seja, é uma montagem cara, difícil de viajar, de conseguir patrocínio, entre outras coisas? Eu não pensei muito nisso quando comecei a produzir. Estava tão determinado a contar essa história que não me atentei à dimensão dela. Eu fui descobrir essa dimensão, tanto do texto quanto da montagem, ao longo do processo, fomos vendo que a demanda seria muito maior do que eu sonharia. Não idealizei muita coisa antes, apenas vi que era um elenco grande, mas só isso. A coisa foi tomando um vulto, um caminho inesperado, que tivemos que captar mais que o esperado. É uma peça dos sonhos, mas porque o texto é dos sonhos. Ouvi de muitos colegas “eu quase montei essa peça”, então eu fico feliz de tê-la montado, porque talvez eu quase tivesse montado se eu parasse para pensar muito. Esse “quase montar” tem se tornado muito comum, não por falta de interesse em fazer teatro, mas pelas dificuldades econômicas. Como você vê isso? Eu estava num momento de buscar alguma autonomia como ator. Sempre aceito convites para o teatro, nunca produzo. Mas eu queria uma autonomia, queria poder ter meu projeto, só não sabia qual era. Eu vinha procurando algo que valesse a pena, até por todas as dificuldades que isso acarretaria, e de repente me vi diante desse texto. Compramos os diretos de imediato e já comecei a procurar as parcerias, de criação, de produção. Em momento algum eu me questionei se deveria ou não fazer. Entendo as dificuldades, entendo as pessoas que desistem quando olham para essas barreiras. Muitos dizem “tenho um texto ótimo, mas é com seis atores”. Esse “mas” complica. Porém, acho que tem que ter uma determinação e uma paixão que sejam além da visão de produção, porque quando é para acontecer, vai acontecer. A nova 'Escolinha do Professor Raimundo' fez um sucesso absurdo. Como foi fazer parte? Uma surpresa muito grande. Realmente a Globo pretendia fazer uma homenagem, nós atores também fizemos dessa forma, homenagear de alguma forma os personagens e os atores e comediantes que estávamos defendendo ali, mas não esperávamos esse sucesso. As pessoas adoram e já se fala numa segunda temporada. Essa era a próxima pergunta... (risos) Eu não sei de nada, só ouvi dizer. Ouço bastante, confesso, mas particularmente não sei nada além de você. Vamos ver o que acontece. Muitas vezes você não programa sua carreira. 'A Escolinha', por exemplo, eu jamais me imaginei estando ali. Me emocionei naquela sala de aula, quando o Bruno (Mazzeo) entrou vestido de Raimundo eu quase tive um treco, chorei de verdade. Nunca, nos meus sonhos mais selvagens, poderia imaginar que estaria dentro daquele cenário, vestido de Galeão Cumbica, com esse time incrível que foi reunido. Quero muito fazer de novo, não sei se vou fazer, mas seria muito bom. Vocês realmente sabiam só o seu texto na hora de gravar a 'Escolinha'? Sim, a gente recebia só a nossa parte, e a grande dificuldade era ficar assistindo meus colegas. Eu ficava ali, me divertindo, todo desarmado, completamente despreparado, e de repente eles chamavam seu nome. A gente fica sentado de plateia mesmo, um exercício super difícil. Eu assisti a uns episódios e vi que a câmera várias vezes me flagrava completamente desmontado, vermelho, passando mal de rir.