cultura

Jovens mostram a força das rimas

As “Batalhas de Rimas” conquistaram espaços em diferentes regiões da cidade e são um novo exercício de manifestação de ideias e prática de diálogos sem violência

Cibele Vieira/ cadernoc@rac.com.br
05/02/2024 às 08:50.
Atualizado em 05/02/2024 às 14:31

As batalhas nasceram como um braço do Hip Hop e sua visibilidade foi ampliada graças às redes sociais (Williamss)

Eles são jovens, com idades entre 15 e 30 anos, moram nas periferias, estudam, trabalham e semanalmente se reúnem para praticar uma modalidade antiga, mas que nos últimos tempos tem crescido: as batalhas de rimas. Em Campinas, todos os dias tem algum lugar - praças, ruas, centros culturais, estações - que recebe esses jovens com muita criatividade para discutir suas questões do cotidiano ao som de uma batida eletrônica. Polo do Hip Hop desde os anos 80, não foi por acaso que o municipio foi classificado no ano passado, por redes de streaming, como a quarta cidade que mais escuta o gênero Rap no Brasil, atrás apenas das capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. 

O Rap é uma sigla que em português significa ritmo e poesia. Foi justamente essa poesia cantada na cadência de batidas compostas por DJs, acompanhada pelos passos do break - e que inspirou roupas largas e coloridas, tênis esportivos e grafites estilosos - que deu voz, movimento e identidade à juventude negra e periférica do Brasil nas últimas décadas. As batalhas nasceram como um braço do Hip Hop e sua visibilidade foi ampliada graças às redes sociais. A série Sintonia, do Netflix, por exemplo, foi uma das que despertaram a atenção de muitos jovens para o tema. O nome representa o estilo do jogo: duas pessoas, envolvidas pelo público que os acompanha, jogam rimas uma à outra. Quem lançar as rimas mais originais, dentro do ritmo e capaz de despertar o entusiasmo da plateia, vence. 

CORAGEM PARA APRENDER 

Esse não é um jogo fácil. É preciso ler, assistir séries, conhecer histórias, aprender novas palavras e vencer a timidez para dominar o palco onde as batalhas acontecem. Elas sempre têm um tema e os MCs (mestres de cerimônia) que se enfrentam jogando no ataque e resposta, sempre desafiando o oponente dentro do tema, no tempo determinado pela batida do ritmo e interagindo com a plateia. "É uma rima bate-volta, na forma de dois versos, compostos por duas ou quatro linhas, então é essencial praticar a mente, ler, estudar a métrica, desenvolver a criatividade, a agilidade e ter confiança para entrar na roda cultural ", ensina Fernando Henrique Bringel Carneiro, o MC Ferbringel, 30 anos. 

Seu avô era radialista no Paraná, as irmãs tinham um grupo de samba e aos nove anos de idade a família veio para Campinas, em busca de melhores empregos. Ele gostava de música e ouvia muito os repentistas nordestinos até encontrar, em meados de 2012, um grupo chamado Fluxo Urbano, que se reunia no Centro de Campinas (próximo à antiga rodoviária) e que praticava a batalha de rimas. "Me envolvi com isso e tenho certeza que a batalha de rimas, e o Hip Hop de maneira mais ampla, salva vidas", afirma. No ano passado começou a fazer batalhas dentro da sua própria casa - por isso o nome Batalha da Home -, mas com o aumento do número de frequentadores, transferiu para a praça de esportes que fica Rua Geraldo Afonso de Souza, na entrada do Jardim Monte Cristo, que passou a sediar o evento todas as terças-feiras. "A nossa intenção é trazer mais movimentação para dentro da comunidade, para tirar criançada da rua, levar a batalha para as escolas com as crianças que tem interesse em aprender", ressalta. 

CORAGEM E PRECONCEITO 

Responsável pela única batalha da região organizada só por mulheres, Isabella Bom, conhecida por Punka, é responsável - junto com outras quatro meninas - pela organização da Batalha da Estação, que acontece às segundas-feiras na Sala dos Toninhos na Estação Cultura desde 2013. "As batalhas surgiram no Bronx, bairro violento de New York (EUA), como uma forma dos rivais se enfrentarem, colocarem suas posições e fazerem desafios, mas na palavra, sem violência física. E no Brasil não foi diferente, abriu espaço para os jovens expressarem o que sentem, o que pensam, diminuindo os impulsos de violência", explica. Ela conta ainda que muitos MCs ganham disputas, viralizam na internet, passam a ser respeitados e acabam ganhando dinheiro com isso. 

A MC Punka, que também é tatuadora, entrou no movimento para divulgar suas poesias autorais por meio do Rap. Paulistana, mas morando em Campinas há oito anos, sempre assistia as batalhas pela internet até que começou a frequentar, defendendo maior participação das mulheres. Para quem quer começar, ela aconselha leitura para expandir o vocabulário e ampliar referências, além de treinar entre amigos para ganhar a prática de rimar no tempo da música (flow) e ir desenvolvendo o carisma com a plateia. Ela comenta que apesar do movimento estar ampliando, em alguns locais ainda enfrenta muito preconceito, da população e até de policiais. "Reúne negros, pobres, mulheres, gays, pessoas com um estilo visual diferente e quando junta a música Rap, isso se torna o combo perfeito para o preconceito", comenta. 

MAIS RIMA, MENOS VIOLÊNCIA 

Para Pedro Cesário, o Azec, coordenador da Batalha do Cálice que acontece as sextas-feita no Largo do Pará, "as rimas podem ajudar os jovens de diversas formas, desde as neurológicas até as sociais, tornando o jovem muito mais apto e astuto se ele se dedicar a estudá-las de forma lúdica e de maneira constante, com força de vontade para construir e amar essa cultura e crescer longe do crime". Para ele, a competitividade em palavras é melhor do que atrito de agressão. "Resolver rimando é bem melhor. Socialmente, ela tira vários menores do crime". Azec tem 22 anos, é estudante de Direito e conheceu as batalhas em 2017, ouvindo pelas plataformas digitais e começou a frequentar, até organizar o grupo Cálice em Belo Horizonte (MG), onde morava. Em 2018 veio para Campinas e trouxe o projeto que é bastante concorrido.

APOIO À CULTURA

Guilherme Weiss, responsável pela Coordenadoria de Cidadania Cultural na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, trabalha para ajudar a estruturar os locais e possibilitar que as batalhas aconteçam com uma infraestrutura adequada. "A rima para eles é uma forma de expressar o que pensam, os desejos, anseios, dilemas. Falam muito do cotidiano, da vida. Não tem apologia ao crime nem as drogas. Mas exige improviso, talento, embora a leitura e a vivência ajudem a preparar, o desafio é transformar a informação em conhecimento", analisa o historiador e pedagogo. Para ele, é dever do poder público apoiar esses movimentos para queles se desenvolvam de maneira saudável em suas comunidades.

PROGRAME-SE

Batalhas de Rimas em Campinas

Sempre às 19h30

Segundas-feiras na Estação Cultura

Terças-feiras no Jardim Monte Cristo

Quartas-feiras no Jardim Marisa

Quintas-feiras no Tancredão

Sextas-feiras no Largo do Pará

Aos sábados no Jardim São Domingos

Aos domingos no Oziel

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