O ROSA NA VISÃO DE COTRIM

Jornalista descreve em livro história dos personagens reais que influenciaram a literatura

Tanael Cotrim refez a rota percorrida por Guimarães Rosa no sertão mineiro em 1952

Cibele Vieira
22/05/2022 às 11:19.
Atualizado em 22/05/2022 às 11:19
"O Rumo do Rosa na rota de Zito" é o nome do livro-reportagem em que literatura e história se encontram (Antoninho Perri)

"O Rumo do Rosa na rota de Zito" é o nome do livro-reportagem em que literatura e história se encontram (Antoninho Perri)

Ele nasceu na periferia de Campinas no final da década de 1970, filho de pai baiano e mãe mineira. Com poucos recursos, conheceu a biblioteca da escola aos oito anos e ali se sentiu em casa, com o acolhimento que não encontrava em outros ambientes. Começou a adquirir gosto pelo mundo que os livros apresentavam e, na adolescência, se deparou e se encantou com os escritos de Guimarães Rosa. Tanto que escolheu refazer a rota percorrida pelo escritor em 1952 pelo sertão de Minas Gerais, para uma reportagem literária que foi seu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, em 2001. Passados 70 anos da expedição original e 20 anos da releitura feita pelo repórter, a história virou livro que já tem lançamento previsto para julho pela Editora Pangeia. 

"O Rumo do Rosa na rota de Zito" é o nome do livro-reportagem em que literatura e história se encontram. Mergulhado nas leituras roseanas, o jornalista Tanael Cotrim decidiu conhecer o local quando soube da viagem do escritor ao sertão. Em Cordisburgo, cidade natal de Guimarães Rosa, conheceu o Zito - o vaqueiro, cozinheiro e poeta - que fez parte da expedição original e o acompanhou durante a viagem refeita 50 anos depois. A poesia, os relatos e a memória de Zito permeiam a narrativa do livro-reportagem. Quando refez os caminhos com o jornalista, Zito tinha 72 anos e faleceu quatro dias depois. "Saí com uma ideia e voltei com a percepção manifesta no livro, de que o Zito tem uma força desmedida na vivência do Rosa com o lugar. Contar essa experiência do Rosa é contar através do Zito", diz.

A reportagem, que recebeu nota máxima na banca de avaliação na PUC-Campinas em 2001, ficou guardada até o ano passado. "Nunca pensei nela em termos editoriais", revela o jornalista. Em uma conversa recente com a editora-executiva Claudia Bortolato, da Editora Pangeia, durante uma sessão virtual de cineclube conduzida por Tanael, ela pediu para avaliar o texto e decidiu publicar. "A literatura de Rosa e sobre Rosa é vasta, mas esse livro tem uma característica diferente. Ele não é somente sobre Rosa nem sobre Zito, não é só sobre a viagem, ou só sobre o sertão. Ele é um complexo de informações dentro da obra do Rosa", declarou Cláudia.

Uma expedição literária

Tanael conta que refez parte do caminho da expedição acompanhado por Zito e Brazinha - comerciante de Cordisburgo, grande conhecedor da obra da Rosa e autor do prefácio - e complementou com uma pesquisa documental. Ele confrontou o que viu e ouviu com os cadernos de anotação do escritor que estavam guardados no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP). O caminho foi refeito em quatro dias, de carro, mas alguns trechos de cerrado não puderam ser percorridos, "porque parte da travessia original foi ocupada por plantações de eucalipto e carvoarias, inclusive com trabalho escravo, situações que ganharam um viés da história no livro", conta Tanael.

Há 70 anos (no dia 13 de maio de 1952) João Guimarães Rosa partiu para uma expedição de 14 dias no sertão de Minas Gerais, durante o transporte de uma boiada. Entre os peões da comitiva, o vaqueiro e poeta Zito foi aquele com quem o escritor travou contato mais próximo nessas andanças e deixou marcas em sua literatura. A expedição começou em Cordisburgo e seguiu até Araçaí, também em MG, num percurso de 240 quilômetros por meio de fazendas, com vaqueiros que conduziam 360 cabeças de gado. A viagem inspirou várias obras do autor, como "Grande Sertão: Veredas", "Corpo de Baile" e "Tutaméia". "Guimarães Rosa era diplomata e médico de formação, mas nessa viagem pediu para ser tratado como vaqueiro Rosa", contou Zito para a reportagem de Tanael Cotrim. 

A poesia, os relatos e a memória de Zito permeiam a narrativa do livro-reportagem e evidenciam a curiosidade de Rosa. O escritor era obstinado e perguntava sobre tudo. "A experiência meticulosa com uma realidade que só conhecia em trabalhos científicos e diários foi fascinante para ele. Rosa registrava tudo em cadernetas", contou. E complementa que "isso incomodava o pessoal, porque ele não parava de perguntar e anotar, queria o detalhe do detalhe. Era o dia inteirinho escrevendo. Cortou um lápis no meio, pôs um cordão e amarrou no botão da camisa, e uma caderneta de arame pendurada no pescoço. Andando, ele escrevia tudo", relata Zito no livro.

Tanael indica as conexões entre as pessoas com quem Rosa conviveu na expedição e os personagens de seus livros. Manuelzão, capataz da comitiva, tornou-se protagonista do conto "Uma estória de amor". Tornaram-se também personagens de livro o rabequista Chico Barbosa - que virou Chico Barbós - e o fazendeiro Francisco Barbosa, proprietário da São Francisco. Miguilim, o menino poeta alter-ego de Guimarães Rosa, míope morador dos fundões do bonito Mutum, personagem central de "Campo Geral", é um acanhado garoto que morava na fazenda Sede da Sirga. Juca Bananeira aparece no conto "O burrinho pedrês”, de “Sagarana”. Já Zito torna-se personagem no conto "A partida do audaz navegante", do livro "Primeiras Estórias". 

Refazer a expedição foi uma grande emoção para o então aluno de jornalismo da PUC-Campinas, que atuava como porteiro enquanto cursava a faculdade. Hoje, ele trabalha com TV na Unicamp e Cinema no site vervecineclube.com. Sobre o livro, afirma que é resultado da "obstinação cultural da editora". A publicação de cerca de 200 páginas está em pré-venda no site da Editora Pangeia. “O lançamento, daqui a dois meses, terá eventos que percorrerão universidades e centros culturais até voltar de onde surgiu, ou seja, o Museu Casa Guimarães Rosa", conta.

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