Obra da autora de 'Orgulho & Preconceito' é tema de novos livros e motiva encontros e comunidades
Adriana Zardini posa para foto na frente da casa de Jane Austen, no vilarejo de Chawton, na Inglaterra (Divulgação)
Passaram-se 200 anos desde a primeira publicação de 'Orgulho e Preconceito', a obra mais famosa da escritora inglesa Jane Austen. Mesmo assim, a cada ano, são vendidas 50 mil cópias do romance — considerado pela própria autora como “seu filho querido” — apenas no Reino Unido, onde continua sendo um dos livros mais lidos. Exatamente por isso, 'Orgulho e Preconceito' já ganhou diversas versões para a TV e cinema, sendo o filme homônimo de 2005, estrelado por Keira Knightley e Matthew Mcfadyen, a mais conhecida. O longa foi indicado a quatro Oscar, incluindo o de Melhor Atriz para Keira.
Mas são muitas as produções inspiradas na obra. A rede BBC, que jamais deixaria passar tanta popularidade, fez duas versões televisivas de livros dela e prepara uma terceira. A primeira veio na década de 1970, mas a mais marcante é a de 1995, que transformou Colin Firth em objeto do desejo das mulheres em uma memorável cena em que aparece de camisa molhada para a amada. “Algo impensável para Jane Austen e para a época dela”, acrescenta Maria Clara Biajoli, pesquisadora especializada em Jane Austen, inclusive com um projeto de doutorado sobre a escritora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Tem uma autora, Abygail Reynolds (também britânica), que se especializou em escrever versões de 'Orgulho e Preconceito' no estilo ‘E Se’. Ela pega determinadas situações do original e muda o desfecho. Por exemplo: e se a Elizabeth Bennet tivesse aceitado o primeiro pedido de casamento do Sr. Darcy? E ela conta a história a partir daí, mudando detalhes. E nessa, já são uns oito livros assim só inspirados em 'Orgulho e Preconceito'”, conta Maria Clara.
O problema, segundo a pesquisadora, é que a autora tenta imitar o estilo de Austen, além de acrescentar, de forma mais escrachada que a BBC, cenas eróticas e explícitas do relacionamento do casal. “Uma construção muito questionável.”
Abygail Reynolds é apenas uma, entre centenas, que usam os seis conhecidos livros de Jane Austen para criar a própria história — os outros livros, além de 'Orgulho e Preconceito', são 'Razão e Sensibilidade', 'Mansfield Park', 'Emma', 'Persuasão' e 'A Abadia de Northanger'. E, nessa salada de continuações, as mais absurdas histórias nascem, inspiradas, muitas vezes, na moda do momento.
Para se ter uma ideia, entre os livros bizarros baseados em Jane Austen, o mais conhecido é 'Pride and Prejudice and Zombies' ('Orgulho e Preconceito e Zumbis'), de Seth Grahame-Smith. Curiosamente, ele é escrito por um homem, já que Austen é considerada feminista, e tem o nome da inglesa indicado como coautora na capa.
“A proposta é uma mistura do texto do original, copiado ao pé da letra, com novas frases que inserem uma invasão de zumbis na Inglaterra. Mas ele foi pensado, desde o início, comercialmente. Foi escrito para vender, e não por fãs, como acontece normalmente”, analisa a pesquisadora. Entre outros títulos inusitados, então 'Sense and Sensibility and Sea Monsters' (Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos'), 'Emma and the Werewolves' ('Emma e os Lobisomens') e 'Mansfield Park and Mummies' ('Mansfield Park e as Múmias').
Tons de Darcy
A trilogia erótica 'Cinquenta Tons de Cinza', que vem sendo “aproveitada” pelos oportunistas de plantão e ganhando divertidas paródias sobre a quente relação sadomasoquista entre Christian Grey e Anastasia, também foi associada a Jane Austen no livro 'Cinquenta Tons do Sr. Darcy' (tradução de Natalie Gerhardt, Bertrand Brasil, 307 páginas, R$ 27,00).
Assinado por pseudônimos, o livro pega o famoso personagem de 'Orgulho e Preconceito' para criticar a obra de E.L. James. A história se passa na época da obra de Austen, na Inglaterra do começo do século 19, e, por saber que nesse período os prazeres da carne não eram tão explícitos, o autor se segura nas cenas, mas a capa, por exemplo, traz as botas de Darcy e um chicote.
Projeto
Maria Clara coleciona as inúmeras versões de Jane Austen que encontra, “passam de 100”, afirma, mas alerta que dificilmente algo é bom, tanto que ela, no projeto desenvolvido na Unicamp, analisa essas obras. Um deles é 'Mr. Darcy’s Diary' ('O Diário de Sr. Darcy'), de Amanda Grange, que traz exatamente a mesma história de 'Orgulho e Preconceito', porém contada pela visão do herói Sr. Darcy. Escrita em forma de diário, a autora ganha espaço para criar as reflexões de Darcy que não há no original pelo fato de este ser narrado do ponto de vista de Elizabeth. “Amanda Grange tenta manter o estilo de escrita de Austen mas acaba exagerando no perfil dos personagens, estereotipando-os.”
Filmes
As obras de Jane Austen são de domínio público, facilitando o aparecimento de tanto material sobre suas obras. Tanto que todos os seis livros mais conhecidos da autora têm versões cinematográficas. Além do citado no início do texto, existe uma versão de 'Orgulho e Preconceito' de 1940, tendo Greer Garson e Laurence Olivier como o casal protagonista. Já Emma Thompson e Kate Winslet são duas irmãs obrigadas a mudar-se para o campo após a morte do pai no filme de Ang Lee, de 1995, 'Razão e Sensibilidade'. Gwyneth Paltrow também já se envolveu com projetos sobre Jane Austen, quando viveu a bonita e inteligente jovem que presencia sua governanta se casar com o pai viúvo e resolve bancar o cupido para as pessoas que a cercam em 'Emma', de 1996.
Já em 'Amor e Inocência' (Becoming Jane), de 2007, Anne Hathaway interpreta a própria Jane Austen antes da fama. No filme, ela vive um romance com um jovem advogado irlandês, que acabaria por inspirar seus livros e o famoso personagem Sr. Darcy. E existe ainda 'O Clube de Leitura de Jane Austen', também de 2007. No longa, um grupo de mulheres se reúne para discutir os livros de Jane Austen e procurar neles soluções para suas próprias vidas. Tudo muda quando um homem, fã de ficção científica, se une a elas, causando tumulto.
Comunidade
A comunidade no (quase extinto) Orkut chamada 'Orgulho e Preconceito' reunia milhares de fãs de Jane Austen e do filme homônimo de 2005. Durante os muitos tópicos sobre a escritora, há alguns anos, a professora Adriana Zardini percebeu que as pessoas tinham as mesmas dúvidas sobre a inglesa e a obra. “Na época, a única fonte em português era o Wikipédia”, lembra. Para tentar ajudar aqueles que se interessavam pela autora, assim como ela, Adriana montou, em 2008, o blog Jane Austen Brasil, o primeiro em português. “Comecei fazendo análises, até porque me formei em Letras, mas a coisa foi crescendo de uma forma que eu jamais poderia imaginar.”
Atualmente, o site ultrapassa mil visitas diárias e, em janeiro deste ano, Adriana organizou o quarto encontro nacional de fãs de Jane Austen. “O primeiro encontro foi em 2009 e teve 15 pessoas. No de janeiro, foram três dias e ultrapassamos cem pessoas em cada um, que vieram de vários lugares do Brasil.” A proposta, segundo Adriana, é discutir Jane Austen, tanto que muitos trabalhos e teses foram apresentados, “projetos que terão continuidade acadêmica”, diz. “A nossa metodologia foi copiada inclusive pela Itália, pela Espanha, que são países que acabaram de criar suas próprias sociedades de Jane Austen como a nossa.”
O que encanta a professora nos livros de Austen é que, a cada leitura, ela consegue observar novos detalhes, o que gera, automaticamente, novas analogias. “Os sobrenomes dos personagens são extremamente simbólicos, cada um com um significado. Não tenho como entrar na cabeça dela para saber o que realmente ela quis passar, mas sinto que ela foi deixando dicas para a gente compreender a sua obra.” Adriana cita o sobrenome Mansfield, do livro 'Mansfield Park'. “Vendo um programa sobre a escravidão na Inglaterra, descubro que um Lord Mansfield foi um dos pioneiros em julgar casos de libertação dos escravos, dando a causa a favor deles. E isso foi na época que ela viveu e escreveu as obras.” A professora é tão fã que decidiu visitar a casa onde Jane Austen viveu seus últimos anos na Inglaterra, no vilarejo de Chawton. “É o que toda fã sempre sonhou.”