Longa de Karim Aïnouz, que estreou nesta sexta-feira em Campinas, mostra um Rio sem clichês
Cena do filme 'O Abismo Prateado', de Karim Aïnouz e com Alessandra Negrini (Divulgação)
A força de 'O Abismo Prateado' está no olhar de Karim Aïnouz. Seja por causa da paisagem carioca sem clichês e quase toda noturna, seja no modo como os planos se fecham sobre a protagonista Violeta (Alessandra Negrini, bem no papel) em meio à balbúrdia da grande cidade enquanto ela está isolada no próprio mundo de dor, seja quando ele desconcerta o espectador com sua visão de paz interior em meio a essa mesma cidade, só que, agora, dominada pelo quase silêncio da madrugada.
Desde que um casamento aparentemente normal se desfaz com um recado no celular, Violeta mergulha no desamparo. Sem saber o que fazer, ela tenta embarcar para a cidade onde o marido se foi, perpetra fuga solitária em um motel, experimenta uma balada e vivencia o caminhar igualmente solitário pela noite de Copacabana.
O filme estreou nesta sexta-feira (10) em Campinas.
O grande mérito da direção está em nos fazer mergulhar junto com Violeta nesse momento dela (boa parte da história ela não tem interlocução) sem que o filme perca o ritmo, pois nos identificamos com a dor da perda e embarcamos no inferno astral da protagonista.
Em particular, chama a atenção a sequência em que o corpo de Violeta se entrega ao som de 'Shes is a Maniac' — cuja letra dá todo o sentido ao que acontece em cena (“Ela é louca/ e nunca dançou desse jeito antes”). Poderia ser só um clichê (a recorrente cena da dança em um filme), mas sabemos a razão que leva a personagem a reagir daquele modo ensandecido.
O terceiro ato faz movimento de retorno à realidade e a força do filme sofre retração. E não por causa da mudança de registro, mas por conta de alguns diálogos um tanto soltos entre os personagens. Ainda que o encontro entre a protagonista e um pai (Thiago Martins) e a filha dele (Gabriela Pereira) tenha sido fortuito faltou criar conexão mais consistente entre eles, laços mais fortes (mesmo passageiros) para que nos mantivéssemos ligados às emoções mais profundas de Violeta.
Mesmo assim, o olhar agudo do diretor sobre sentimentos humanos e a maneira como ele acompanha as angústias dos personagens (nos movimentos da câmera, por meio da fotografia de Mauro Pinheiro Jr. ou na opção dos enquadramentos da cidade) nos prende à tela. É lindo o Rio noturno visto pelos olhos de Karim Aïnouz, como é elegante a câmera seguindo os três personagens no aeroporto vazio. A sensibilidade de O Abismo Prateado está à flor da pele. Basta se deixar levar.