Por que comédia brasileira tem ideia fixa por sexo tratado de modo vulgar e por escatologias?
A história do pai (Luís Fernando Guimarães, improvável como manobrista de estacionamento) ausente que reencontra o filho (Gabriel Palhares) é manjada ( Divulgação)
Se ainda não foi feito, alguém precisa realizar um estudo sério sobre a comédia brasileira no cinema a fim de tentar decifrar um enigma: por que (com raríssimas exceções) o gênero tem ideia fixa por sexo tratado de modo vulgar e por escatologias — leia-se flatulências, vômitos e defecação? Será que os roteiristas, produtores e cineastas acham que a graça só existe nesses dois infelizes itens?Tamanha obsessão é caso psicanalítico de crise de identidade: achar que o humor brasileiro se resume àquele que nasce da grosseria, do mau gosto e da vulgaridade, como se fôssemos um bando de rastaqueras cuja inteligência não alcança o nível mínimo exigido e não nos restasse senão nos conformar com cenas, imagens e situações nas quais os instintos mais primitivos são os únicos a provocar nosso riso.E os produtores, roteiristas e cineastas talvez estejam certos, de um lado, porque muitas dessas comédias são sucesso de público. Mas, de outro, eles são erráticos, pois atiram para todos os lados e conseguem (por ser comédia, supostamente feita para divertir) atrair até quem não se interessa por baixarias.Veja-se o caso de Se Puder...Dirija!, de Paulo Fontenelle, que chega hoje aos cinemas. Não há sexo, porém, sobra o segundo item — o da escatologia. Seria o público alvo o juvenil e o adolescente (que, em geral, gostam de tais temas, pois ainda guardam resquícios de infantilidade)?Porém, um filme protagonizado por casal maduro em crise (com filho e cachorro) não é exatamente para teens. Estes talvez se sintam atraídos por ser comédia, mas não devem achar graça alguma — a não ser naquilo que o filme tem de mais infantilóide.Se o alvo for casais apaixonados que vão ao cinema no sábado à noite, não dá para imaginar uma moçoila acompanhada do respectivo namorado rindo de morrer ao ver um sujeito defecando em banheiro público ao som de ruídos grotescos. Quem ri de tal cena? Talvez o diretor (que a escreveu) e produtores (que correram atrás do financiamento) porque devem ganhar dinheiro, porém o mínimo a dizer é que tais sequências são constrangedoras.E não há ritmo nem tempo de comédia. E a história do pai (Luís Fernando Guimarães, improvável como manobrista de estacionamento) ausente que reencontra o filho (Gabriel Palhares) é manjada. Aqui, os produtores e o diretor pensaram em casais adultos, pois tem gincana na escola, aniversário do menino, veterinário para o cão; tudo tão óbvio que dá sono. Nada se salva. Nem os atores caricatos nem o roteiro nem os diálogos. E há uma discussão envolvendo o nome do cachorro que de tão ruim merece entrar para uma antologia.E se outros itens do filme superassem o mal-estar das cenas vulgares, ainda haveria salvação. Saudado como o primeiro longa-metragem brasileiro feito em 3D, a nova tecnologia dura dez ou quinze minutos de exposição. E se dilui completamente — prática comum até entre os americanos. Ou seja, o 3D, que custou 30% do orçamento, não se justifica.Sim, haveria saída. Até que a Sorte nos Separe (Roberto Santucci, 2012), que também recorre a um tanto de escatologia (ou não seria comédia brasileira), consegue boa alternativa: usa humorista (Leandro Hassum) na comédia romântica — mais comédia que romântica.Em Se Puder...Dirija!, mimetizando o filme de Santucci, o comediante é Luís Fernando Guimarães. Porém, a fragilidade da concepção de tudo não o sustenta. E a insistência em fazer comédia para adultos apoiada por piadas dirigidas a quem tem apenas um neurônio põe tudo a perder de vez.