Longa "Hitchcock" mostra os bastidores das filmagens de "Psicose"
Anthony Hopkins em cena do filme "Hitchcock" (Divulgação)
Sempre desperta curiosidade aquilo que há por trás dos fatos, os chamados bastidores. Pois são os bastidores das filmagens do clássico 'Psicose' a matéria-prima de 'Hitchcock' (Hitchcock, Estados Unidos, 2012), de Sacha Gervasi, que estreia nesta sexta-feira (1) em Campinas. Não se trata, portanto, de biografia de um dos mais célebres cineastas de todos os tempos, mas recorte sobre o processo de gestação de uma obra que se eternizou como uma das mais instigantes da carreira do diretor.
A começar pela análise do período em que se passa a história — estamos em 1959. Os estúdios impõem censura sobre o que pode e o que não pode (nudez, violência ou o simples aparecimento de vaso sanitário) e a ausência de apoio financeiro da Paramount (o cineasta hipotecou a própria casa para bancar o filme), entre outros, e de como esses detalhes ilustram uma época.
Mas o roteiro de Stephen Rebello (autor do livro 'Alfred Hitchcock and the Making of Psycho'), escrito em parceria com John J. McLaughlin, se propõe também a relatar a relação do diretor (Anthony Hopkins) com a mulher Alma Reville (Helen Mirren, interpretação, como sempre, elegante e sedutora).
Nessa relação se concentram alguns dos melhores momentos, pois, aos olhos dos dois personagens, eles estão em processo de traição afetiva mútua, enquanto o espectador sabe que não está acontecendo nada. A sutileza com que o diretor mostra esta contradição revela-se interessante jogo narrativo: são fotos de mulheres, presente e gestos de um lado, e a entrada de um roteirista interessado no trabalho de Alma, de outro.
O primeiro impacto do espectador com a caracterização do grande Anthony Hopkins na tela parece caricato demais, imitação pura e simples. Porém, talvez porque nos acostumamos com ele e porque efetivamente o ator sabe o que faz, o fato é que, aos poucos, somos persuadidos a aceitá-lo como o verdadeiro Hitchcock.
Também há alguns maneirismos da direção em aplicar o que conhecemos dele publicamente na vida privada. Em dado momento ele passa pelo camarim — feito um fantasma, como nos filmes — de duas atrizes e uma delas diz: “Ele está sempre espionando”. Ou quando usa propositalmente expressões que o marcaram em termos publicitários (“mestre do suspense”, por exemplo) como base de bem-humorado comentário.
Há, ainda, outro dado que interessa particularmente a quem conhece a história do cinema e sabe que Psicose foi um grande sucesso. E, olhando em perspectiva, fica difícil dramatizar os problemas de Hitchcock, como a insegurança dele, o peso usado para anunciar a Alma a venda da casa, a recusa da produtora em distribuir o filme. Assim, em vez do drama, tendemos a embarcar na graça nascida dessas situações.
E há um destaque que impressiona: com poucos recursos de maquiagem — hoje tão difundidos —, James D’Arcy parece ressuscitar o próprio Anthony Perkins, tamanha a semelhança e veracidade que ele empresta ao personagem.
Fica complicado imaginar que Hitchcock se mostre por inteiro para quem desconheça a história do cinema e do próprio diretor, pois não perceberá nuances nem tampouco levará em conta certos detalhes, como a composição da famosa cena do chuveiro em que a personagem central de Psicose (Scarlett Johansson) é assassinada.
E em que pese certas escorregadas do filme, como a tal cena vista pela plateia na première — inverossímil na maneira como foi coreografada —, o longa tem como principal mérito nos envolver na trama mágica que só o cinema proporciona. Tal mágica, afinal, e muito antes da ousadia da linguagem ou de virtuosismos formais, é o que move nosso ato de ir ao cinema.