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Filme de Tarantino mostra fim da era da esperança

O filme é uma grande homenagem a uma Hollywood que não existe mais e ao cinema, especialmente ao western spaghetti

Estadão Conteúdo
14/08/2019 às 10:45.
Atualizado em 30/03/2022 às 18:27

O "hype" era intenso. Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino, que estreia 5ª, 15, entrou aos 45 do segundo tempo na competição do Festival de Cannes, 25 anos após o diretor ganhar a Palma de Ouro com Pulp Fiction - Tempo de Violência. Teve jornalista que enfrentou três horas de fila, teve comemoração quando a sala finalmente abriu para a sessão de imprensa. O filme é uma grande homenagem a uma Hollywood que não existe mais e ao cinema, especialmente ao western spaghetti. Tarantino faz mais uma viagem ao passado, precisamente a 1969. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é ator de uma série de televisão de sucesso que se sente injustiçado. Queria estar fazendo mais e melhores filmes, quem sabe com seu novo vizinho, o polonês Roman Polanski, que colhe os frutos do sucesso O Bebê de Rosemary e é casado com a atriz Sharon Tate (Margot Robbie). Mas há praticamente um muro intransponível entre essas duas Hollywoods, a Hollywood do passado, representada por Dalton, e a nova Hollywood, dos cineastas cool e autorais como Polanski e, um pouco mais tarde, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e Woody Allen. "Tarantino é um banco de dados do cinema, e aqui faz uma grande carta de amor a essa indústria a que temos sorte de pertencer", disse DiCaprio na coletiva de imprensa. O melhor amigo de Rick Dalton é o dublê Cliff Booth (Brad Pitt), que tem uma relação mais relaxada com sua posição pouco privilegiada na indústria. "Tem tudo a ver com aceitação. Aceitação do seu lugar, sua vida, seu ambiente, seus desafios, seus problemas", disse Brad Pitt. "Rick acha que sua vida é injusta, enquanto Cliff está em paz com quem é e onde está." Mas uma nuvem negra paira sobre essa Hollywood em transformação: o culto formado por Charles Manson, conhecido como Família Manson, que em 9 de agosto de 1969 assassinaria Sharon Tate, grávida de oito meses, e mais quatro pessoas. "Era a época do amor livre, da esperança, e os crimes representaram uma perda de inocência", disse Pitt. "Foi uma visão sombria do lado obscuro da natureza humana." O filme passa um bom tempo no grupo formado principalmente por dezenas de jovens mulheres. "É uma comunidade hippie, bizarra, mas, embora tenha um ar sinistro, mostramos seu dia a dia", afirmou Tarantino. "Eles ganhavam dinheiro oferecendo cavalgadas guiadas e há relatos de que eram muito simpáticos." A inclusão da Família Manson, do assassinato de Sharon Tate e de Roman Polanski, que mais tarde foi condenado por estupro de uma menor e está proibido de viajar aos Estados Unidos, foi polêmica já no anúncio do projeto. Polanski não aparece muito, e Tarantino tentou encerrar o assunto rapidamente durante a coletiva. "Não falei com ele", informou. Admitiu ser fã de seu trabalho, mas negou que Rick Dalton o descreve como o "maior cineasta". "Ele diz ‘o cineasta do momento’", ressaltou. Sharon Tate tem poucas falas e aparece mais como uma musa. "Eu rejeito essa premissa", disse o cineasta quando uma jornalista levantou a questão. Margot Robbie, porém, meio que admitiu que era o caso "O meu papel é fazer o que o filme precisa de mim. No caso, honrar a memória de Sharon Tate e mostrá-la como um raio de luz. Foi um desafio interessante fazer isso com poucas palavras." Quentin Tarantino também se recusou a falar sobre a violência contra as mulheres, justificando-se: "Para isso teria de dar spoilers". Brad Pitt veio em seu socorro, dizendo que há no filme "uma ira contra indivíduos". Como em alguns de seus filmes recentes, especialmente Bastardos Inglórios e Django Livre, Tarantino subverte a história com "H" maiúsculo e usa o cinema para reescrevê-la. Mas na verdade Era Uma Vez em... Hollywood é quase um best of de sua obra. Segundo o diretor, não foi proposital. "Quando meu primeiro assistente de direção, William Paul Clark, foi a minha casa ler o roteiro, ele falou: ‘Caramba, é como se fossem todos os seus filmes reunidos’", contou Tarantino. "Eu não tinha pensado sobre isso " O cineasta admitiu estar passando por um processo de balanço de sua vida e carreira. Nada mais natural que seu nono filme fosse uma coletânea de sua trajetória até aqui. ENTREVISTA COM TARANTINO Em uma cena, Sharon Tate vai ao cinema sozinha assistir a seu próprio filme. Você já fez isso? Trabalho muito duro nos meus filmes. Mas o que realmente vale a pena no fim das contas, até porque meus filmes provocam umas risadas, é que o público reaja. Essa é a grande recompensa por todo o trabalho. Qual foi seu ponto de entrada no filme? Em dado momento, tudo se junta, mas a primeira fagulha narrativa apareceu uns nove anos atrás. Estava fazendo um filme com um ator mais velho, que tinha esse dublê com quem trabalhou por muito tempo. Não tínhamos nada para o dublê. Mas tinha uma cena que ele podia ter feito. Então o ator veio me falar dele, sem pressão e tal. O dublê veio, e a dinâmica dos dois era muito interessante. Dava para perceber que antes os dois devem ter sido parecidos. Mas esse tempo tinha passado. Ele parecia mais velho e gordo que o ator. Uma coisa curiosa é que o dublê não trabalhava para mim, mas para o ator. Achei que tinha ali um relacionamento interessante, desses dois caras convivendo. Que se um dia fizesse um filme sobre Hollywood, podia ser bacana ter dois personagens assim. Fãs de outros países podem desconhecer que 1969, ano em que o filme se passa, foi um ponto de ruptura para Hollywood. Acha que eles deveriam saber antes de assistir? Não acho importante. Quem tiver o desejo de ir atrás disso terá uma bela recompensa. Mas pode ser que o filme desperte isso no espectador. Acho que Era Uma Vez em... Hollywood, como outros filmes meus, especialmente Jackie Brown, têm um ar mais europeu que americano. Então acho que estrangeiros podem se sentir melhor com o ritmo do filme. Quanto às referências culturais, pode ser difícil. É como se fosse um filme de ficção científica que se passa num universo alternativo, cheio de nomes inventados Mas acredito que o filme funcione mesmo assim. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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