CRÍTICA

Filme aborda o tema da eutanásia

'Uma Primavera com Minha Mãe' foge do glamour de 'As Invasões Bárbaras' para tratar do assunto

João Nunes/Especial para o Correio
30/10/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 08:44

O tema da eutanásia causou estardalhaço com o lançamento de 'As Invasões Bárbaras' (Denys Arcand), em 2002. Sucesso de público, o filme procurava o glamour na chamada “morte assistida” ao reunir os melhores amigos a fim de acompanhar os últimos momentos do protagonista. E havia lições sobre a vida e sobre a importância dos amigos e do amor em um tom que beirava a autoajuda.Em tudo 'Uma Primavera com Minha Mãe' ('Quelques Heures de Printemps', França, 2012), de Stéphane Brizé, em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas, é diferente. Esqueça o glamour da morte e as noites regadas a vinho do longa-metragem de Arcand. E esqueça o clima de festa, alegria e solenidade exagerada entre os personagens como se a morte não fosse, em qualquer circunstância, dura e dolorosa.Aqui, Yvete (a excepcional Hélène Vincent) descobre que tem um tumor no cérebro, apesar de a aparência não indicar que está doente. Como terá pouco tempo de vida, ela decide recorrer a uma associação suíça encarregada de cuidar dos procedimentos a fim de obter uma morte digna.Paralelamente, o filho caminhoneiro Alain Evrard (Vincent Lindon), de 48 anos, desempregado, se vê obrigado a voltar para a casa da mãe, depois de ser pego transportando drogas a pedido do chefe e ter passado 18 meses na cadeia. Ocorre que a relação dos dois nunca foi muito boa. Nem será agora. Ressentimentos passados e a figura do marido violento assombram Yvete. E tem a doença, que a deixa irascível, solitária e triste.Na verdade, há solidão por todos os lados. De Yvete, de Alain, de Lalouette (Olivier Perrier), o vizinho e amigo da família, de Clémence (Emmanuelle Seigner), que tenta emplacar um romance com o caminhoneiro, e da própria situação de cada personagem: o filme faz pequeno recorte da vida deles, mas não vislumbra nada em especial, nenhum grande acontecimento à vista, nenhuma redenção, nenhuma saída extraordinária.E, no entanto (e aqui está a grande sacada do diretor e roteirista), não é um filme depressivo, que nos joga para baixo, apesar da morte; afinal, ela nos ronda o tempo todo. Assim como não fica difícil absorver a relação difícil entre mãe e filho — devidamente acompanhada pela simpatia e companheirismo do vizinho Laloauette.Por ter um tema tão pesado às mãos, Stéphane Brizé dirige com extremo cuidado. É seco, direto, sem meias-palavras, enxuto. Poderia descambar para o dramalhão comum de um tipo de cinema que explora a emoção para além do limite suportável. Ao contrário, o diretor não deixa arestas, não explora o sentimento do espectador, leva tudo com extrema contenção.E, ainda assim, lembra que está lidando com gente e com dramas humanos. Como na cena em que o filho explode diante das impertinências da mãe. Que atriz espetacular essa Hélène Vincent, capaz de expressar medo e impotência e, com alguns gestos, olhares e ruídos nos dar a real dimensão das emoções que vivencia. É de arrepiar.Com um roteiro tão milimetricamente pensado e sem qualquer fio solto, 'Uma Primavera com Minha Mãe' consegue comover ao mostrar a relação de mãe e filho sem nenhuma sobra e com absoluto controle. Chega a ser asséptico e cerebral até demais. Não se conseguirmos compreender cada movimento dos atores em cena. Eles dizem mais que milhares de palavras.

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