Atrizes emprestam suas pernas para dar vida a bonecos realistas na performance que reflete sobre a situação dos moradores de rua
Atrizes emprestam suas pernas para dar vida a bonecos realistas na performance que reflete sobre a situação dos moradores de rua (Ricardo Lima)
Um espetáculo performance, feito por mulheres e apresentado em espaços públicos, mistura o real e o fantástico a partir de uma temática atual: as pessoas em situação de rua. Os personagens são bonecos híbridos, manipulados com técnicas do teatro de animação e dão sentido ao espetáculo "Onde está você?", que estreia em Campinas nesta sexta-feira, 20, às 10h, na praça atrás da Catedral Metropolitana. A apresentação é gratuita e vai circular por outras cidades (Santa Bárbara D´Oeste, Salto, Holambra, Sorocaba, Araçariguama, Santa Gertrudes e Piracicaba). O projeto ousado pretende estimular o olhar e o respeito para as pessoas quase invisíveis por estarem em situação de rua. E os bonecos impactam pelo aspecto realista e quase humano.
A montagem é da companhia campineira Fios de Sombra. O diretor do espetáculo, Lucas Rodrigues, explica que "o trabalho traz o questionamento de onde estamos agora, no momento presente. Muitas vezes estamos de corpo presente, mas totalmente fora do agora. Ao contrário das pessoas em situação de rua, que têm um modo de vida mais presente". Os três bonecos, que simulam moradores de rua, têm rostos muito realistas. Eles ganham vida quando manipulados pelas atrizes Paloma Barreto, da Fios de Sombra, Daiane Baumgartner e Rakoo de Andrade, que atualmente reside na França.
É uma dualidade muito grande dividir o corpo com outro ser e dar vida a ele, comentam as atrizes. Exige um trabalho físico intenso antes e depois dos ensaios, tanto para preparar o corpo quanto o psicológico, para passar ao inanimado os movimentos reais de um ser humano. "Acredito que essa seja a maior dificuldade. Manter o boneco vivo com respiração, precisão de movimentos, limpeza de ações", conta Paloma. Outro desafio é a apresentação de rua, que sempre conta com situações inesperadas, reações e intervenções das pessoas que param para assistir.
A técnica do teatro de animação com bonecos híbridos ainda é pouco difundida aqui no Brasil. Paloma comenta que ficou motivada a trabalhar com essa técnica quando conheceu o trabalho da Natasha Belova, referência mundial em bonecos híbridos. Quando o projeto foi aprovado pelo ProAC (2021), a companhia convidou as outras duas atrizes - que já têm experiência e se destacam no Brasil com esse tipo de trabalho - para compartilhar a técnica. Os bonecos foram construídos (da cintura para cima) em tamanho real pela artista Lu Antunes, que usou diversos materiais. Para Lucas Rodrigues, "essa técnica envolta a uma estética realista e inserida aleatoriamente em um ambiente cotidiano fora dos padrões de relação artista e plateia, cria um verdadeiro paradoxo entre o que tem e o que não tem vida, entre o que é real e o que não é".
Cotidiano invisível
"Alguém querido que nunca mais se ouviu falar. Um amigo de infância, um amor antigo, um parente... todos temos histórias que de alguma forma transitam por esse enredo. Agora, imagine receber um bilhete de um estranho, pedindo a sua ajuda para encontrar alguém, imagine conseguir ajudar essas duas pessoas a se encontrarem ou simplesmente poder presenciar esse reencontro. É isso que o público vivenciará", comenta Paloma Barreto. Toda a trama se passa em espaço aberto e os espectadores integram o desenvolvimento da história.
Durante os ensaios, as atrizes observaram a curiosidade das pessoas, que paravam ou desaceleravam o que estavam fazendo para olhar. "E muitas se assustavam quando viam o rosto dos bonecos, que é tão semelhante ao humano que gera até uma certa repulsa de tão realista", afirma Paloma. "O boneco é um compilado de matéria inerte. Uma mistura de partes de papel, espuma, cola e tinta que simula através da semiótica a representação de algo vivo. O boneco híbrido vai além, se mistura e empresta partes do corpo da atriz para criação de seu próprio corpo, tornando-o ainda mais vivo e pulsante", salienta o diretor.
Lucas faz reflexões sobre o fato de todos nós termos, diariamente, alguma interação com pessoas em situação de rua. "Isso revela o abismo social em que vivemos, onde cada vez mais pessoas e famílias criam abrigos em meio ao relento. Acontece que muitas vezes nem percebemos isso", afirma. Ele conta que durante o processo de criação foram feitos exercícios de observação nas ruas. "Quando presenciamos cenas cotidianas de uma forma muito mais presente e potente, percebemos, de fora, cada detalhe de algumas horas da vida de cada uma dessas pessoas. Esse projeto nos fez ver de verdade uma realidade que está diante de nós o tempo todo, mas passa desapercebida", completa.
PROGRAME-SE
Espetáculo "Onde Está Você?"
Quando: sexta-feira, 20/01, às 10h
Onde: atrás da Catedral(calçadão da Rua 13 de Maio), Centro
Gratuito
Informações: Instagram @ondeestavoce.teatro