Autor de sucessos editoriais sobre a história do Brasil conversou com o Caderno C
O escritor Laurentino Gomes: final de trilogia ( Edu Fortes/AAN)
O jornalista paranaense Laurentino Gomes, em 30 anos de profissão, trabalhou como repórter e editor para veículos como O Estado de S. Paulo e Veja. Mas foi há seis anos que ele se tornou conhecido no País, depois de uma década de pesquisas, ao lançar '1808' (Planeta, 2008), uma obra baseada em fatos da história do Brasil sobre a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro. O livro foi vencedor de dois prêmios Jabuti de Literatura, nas categorias Livro-Reportagem e Livro do Ano de Não Ficção, e permaneceu três anos consecutivos na lista dos mais vendidos de Portugal e do Brasil. Além disso, foi eleito o Melhor Ensaio pela Academia Brasileira de Letras (ABL) no mesmo ano. Três anos depois, Laurentino continuou a saga com '1822' (Nova Fronteira, 2011), mais um sucesso de vendas e vencedor do Jabuti 2011 na categoria Livro do Ano de Não Ficção. O autor encerrou a trilogia do século 19 com o recente '1889' (Globo, 416 págs., R$ 32,80), que tem lançamento em Indaiatuba no domingo, às 15h, na Livraria Nobel. Laurentino conversou com o Caderno C na semana passada, durante sua passagem por Campinas, um dia após chegar da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, maior evento literário do mundo e que tinha o Brasil como homenageado. Caderno C — A Feira de Frankfurt foi uma verdadeira revolução, começando com a desistência do Paulo Coelho em participar, mas principalmente pelos discursos bem críticos dos participantes, com repercussão internacional. Como o senhor avalia esse momento?Laurentino Gomes — O que nós vimos em Frankfurt foi um Brasil que espelha muito o que está acontecendo nas ruas hoje. Muitos protestos, reivindicações por mudanças na lei, na forma como nós trabalhamos e nos comportamos. Teve o discurso do (Luiz) Ruffato na abertura bastante crítico ao Brasil. O próprio Paulo Coelho que decidiu não ir alegando que a lista (de escritores convidados) não refletia a riqueza da literatura brasileira atual. Depois, teve alguns escritores que se manifestaram em solidariedade aos professores do Rio de Janeiro. O senhor se colocou à favor das biografias não autorizadas...Sim, eu dei minha contribuição à polêmica lendo um manifesto sobre a censura às biografias não-autorizadas no Brasil, porque isso está transformando o País num paraíso da biografia chapa-branca. Isso é algo que me incomoda muito, porque existe uma esquizofrenia legal no Brasil. A Constituição proíbe censura de obras de arte, obras de cultura, artísticas de forma geral, o que, no meu entender incluem livros, garante a liberdade de expressão e de imprensa, ao mesmo tempo em que o Código Civil diz que se uma pessoa se sentir denegrida na sua imagem, ela pode suspender a publicação de um livro, de um jornal, de uma revista, de um filme, um documentário. O que é muito relativo, afinal, o que é denegrir a imagem de uma pessoa? É contar que ela perdeu uma perna atropelada por um trem na infância, como aconteceu com o Roberto Carlos? É contar que a Paula Lavigne destruiu a garagem do Caetano Veloso com um carro depois da separação? O que é denegrir a imagem? Até porque a lei brasileira já prevê uma punição e uma indenização para casos de calúnia, injúria e difamação. Se um jornalista mentir e fizer uma matéria maldosa e incorreta, ele pode ser processado com base nessa lei. Então tem que mudar o Código Civil. (Nota da Redação: Projeto que altera o Código Civil a favor das biografias não autorizadas está em tramitação na Câmara dos Deputados, em Brasília)O argumento utilizado pelo grupo Procure Saber (que lidera o movimento contra as biografias não autorizadas) é que o biografado receba uma parte dos direitos da obra.Isso para mim é o lado mais mesquinho da discussão. Mas acho que no fundo é uma cortina de fumaça para esconder o verdadeiro propósito, que é a censura. Censura ao trabalho de escritores, jornalistas e biógrafos. Porque nada disso faz sentido, você querer que uma pessoa escreva um livro e divida os lucros, que geralmente não são grande coisa, com o biografado. Até porque não me consta que Tom Jobim tenha pago royalties à 'Garota de Ipanema', que é o maior sucesso da música popular brasileira de todos os tempos. Que o Caetano Veloso tenha pago royalties para a Vera Zimmermann pela música com que ele a homenageia (Vera Gata), ou para Sônia Braga em 'Trem das Cores'. Ou até a celebração que música brasileira faz do País, como se eles tivessem que pagar ao Tesouro Nacional por citar as paisagens, o mar, as praias, os patrimônios públicos. Não! É de uma mesquinharia que esses astros da música, que já ganham muito dinheiro, queiram receber uma participação dos escritores de classe média, que moram em bairros de classe média, têm filhos em escolas públicas. Não há nenhum milionário. Sem contar os custos para se fazer uma biografia.Pois é. Uma biografia bem feita, como é o caso da Clarice Lispector, o autor norte-americano (Benjamin Moser) teve anos de pesquisas. Quem paga essas despesas? Ou é a editora ou o próprio autor. No meu caso, por exemplo, quem paga as minhas pesquisas sou eu. Eu passei o ano passado inteiro nos Estados Unidos pesquisando para fazer '1889' e tudo saiu do meu bolso. Eu não tive Lei Rouanet, não tive bolsa de estudos, nenhum financiamento oficial. O livro está vendendo bem, então está tudo bem, porque estou sendo recompensado. Mas nem todo mundo consegue esse sucesso. É injusto esses artistas pensarem assim. Caras que foram censurados na Ditadura Militar basicamente pelo mesmo motivo. O escritor, quando faz sucesso, quando atinge um público grande, muitas vezes não consegue evitar algumas brigas, porque elas são de interesse público. E essa é uma briga de interesse público. Já pensou em fazer alguma biografia?Não, por enquanto. Mas se eu tivesse planos para agora, eu pensaria duas vezes antes de escrever. Como o Ruy Castro anunciou, que não vai fazer biografias até a mudança da lei. E eu concordo com ele, porque o risco é muito grande. Trabalhar por cinco anos, por exemplo, e ter que pagar indenização para a indústria dos herdeiros de intelectuais, que estão barrando na Justiça obras para levar um dinheirinho, e ainda ver o livro retirado das prateleiras? Coisas assim denigrem a imagem de um artista. Isso é tão preocupante que outro dia mandei um e-mail para os meus filhos falando: Se um dia eu morrer, que é uma hipótese ainda não certa, por favor nunca censurem uma biografia não autorizada e, principalmente, jamais reivindiquem royalties relacionados à minha imagem. Vivam dos direitos autorais das minhas obras, mas nunca de outra forma. Seus livros bateram a marca de 1,5 milhão de exemplares vendidos, feito raro para obras que falam sobre a história do Brasil. Por que os brasileiros querem saber, agora, mais sobre o País?Há três fatores, na minha opinião. A linguagem jornalística é acessível a um leitor comum, não habituado a ler sobre o tema. Há um fenômeno mundial acontecendo, que é o interesse pela história, que eu acredito ter a ver com a globalização, com essa cultura que ficou homogênea em que as pessoas curtem as mesmas coisas, frequentam os mesmos lugares, consomem as mesmas marcas, e por isso buscam algumas âncoras profundas de identidade. A história é uma delas. E tem relação principalmente com o Brasil de hoje, um Brasil que tem 30 anos de democracia e os brasileiros estão sendo chamados para participar da construção do futuro. E, nesse cenário, você precisa estudar o passado para entender quem somos, nossos defeitos, qualidades. Tudo isso abre então um novo mercado para que outras histórias sejam recontadas, como o senhor fez?Sim. O que me fascina na história é que ela é sempre inacabada. Os personagens e acontecimentos não mudam mais, estão congelados no passado. Mas o passado continua mudando pela forma como nós olhamos para ele e o interpretamos. Então o que faz a história ser fascinante é a sua incerteza, a possibilidade de mudar o olhar, de mudar o conceito que se tem sobre personagens e acontecimentos do passado. Novas interpretações, novas narrativas. Às vezes, as pessoas viram para mim e falam: você escreveu a verdadeira história do Brasil. Não, a minha é só mais uma visão sobre uma construção mitológica infindável.E qual é a visão do senhor sobre '1889' que vai mais surpreender o leitor?A forma como essa República foi implantada, descolada das ruas por um golpe militar, que logo se converteu numa Ditadura com Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto. E depois, quando você olha a primeira República, dos barões do café, é uma equação muito parecida com a do Império. Muda a nomenclatura do regime, era Monarquia e vira República, mas a elite, a aristocracia rural que manda é a mesma. Uma República sempre tutelada de cima para baixo, muito caótica e que ameaça sair do controle. Tanto que não é à toa que a nossa bandeira tem essa ordem, essa divisa positivista, que primeiro vem Ordem e depois Progresso. Ou seja, é uma República que inspira muito cuidado. E tem ainda um elemento muito perigoso do ponto de vista da elite que é o povo. É muito perigoso incorporar o povo no processo político, ou pelo menos foi assim que a República se comportou. Mas isso mudou em 1984 com a campanha das (eleições) Diretas. Por isso fecho o livro dizendo que é uma segunda Proclamação da República. A pesquisa para '1808', conforme o senhor descreve já na introdução do livro, demorou dez anos. Porém, depois disso, o senhor lançou mais dois livros num período de cinco anos. Como manter a mesma densidade das obras?Existe uma curva de aprendizagem muito significante. Como estou trabalhando com um período muito específico, que é o século 19, os personagens e acontecimentos são vizinhos. Quando entrei na pesquisa de '1808', era um terreno muito desconhecido para mim e por isso levei mais tempo para me familiarizar com a bibliografia, com o ambiente com o qual eu estava trabalhando. O '1822' é quase uma continuação da história da corte no Brasil, então eu tinha uma familiaridade com esse período. E depois tem o aprendizado de como se faz um livro, como se edita um capítulo, como se faz a sequência da obra. A minha suspeita é de que o próximo livro vai demorar mais tempo, porque vai ser sobre um período muito descolado do que eu trabalhei. É a Inconfidência Mineira, como se ventilou por aí?Não. Eu pensei nela, mas desisti porque descobri que tem um outro escritor que eu admiro muito, que é o Lucas Figueiredo, que está fazendo a biografia de Tiradentes. Como ele vai lançar em 2015, eu, ou teria de correr e atropelar um amigo meu, o que seria de uma deselegância absurda, ou chover no molhado. Então é outro tema. Qual?Ainda não posso falar (risos). '1808' foi lançado no mês passado nos Estados Unidos. Como está sendo a repercussão?Está indo muito bem. É engraçado que o livro está repetindo a mesma trajetória que teve por aqui. Eu lancei e ninguém me conhecia como escritor, ninguém imaginava que d. João VI poderia virar um best-seller, mas o livro foi ganhando uma repercussão muito grande na campanha boca a boca. E nos Estados Unidos está sendo assim. Ninguém nunca ouviu falar em Laurentino Gomes e muito menos em D. João VI. Faz um mês e meio que ele entrou no mercado e o livro nesta semana (semana passada) atingiu o primeiro lugar numa lista que traz os 50 títulos mais vendidos sobre a América Latina. Ele foi subindo e eu fico só observando. Mas eu já conheço essa história (risos). Como estão as negociações para o filme de '1808'?Eu tenho um agente nos Estados Unidos que está cuidando disso. Existem algumas sondagens bastante promissoras. E lá de Hollywood.