Gustavo Gumiero aborda a perspectiva das mulheres que vivem nesses países
Gustavo Gumiero, que optou focar na vivência das mulheres na guerra em seu 6º livro (Divulgação)
As histórias de guerra sempre são contadas por homens. Esta constatação, citada em livro por uma autora bielorrussa, fez o sociólogo e escritor brasileiro Gustavo Gumiero refletir sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, região que já conheceu muito bem como turista. Por isso, ele decidiu entrar em contato com amigas daqueles países e, com base em seus depoimentos, escreveu o livro "Gritos da Guerra: o conflito Rússia-Ucrânia na voz das mulheres que sofrem", que será lançado nesta sexta-feira (24) em Campinas. Além do olhar feminino para o conflito, por personagens que vivenciaram e ainda enfrentam os horrores da guerra que já dura um ano, o autor contextualiza a questão geopolítica e de costumes que envolve os dois países.
Gumiero já esteve na Ucrânia, na Bielorrússia e na Rússia em três oportunidades (2016, 2018 e 2021), em períodos fracionados que, somados, dão mais de 300 dias vivenciando essas nações. Inclusive na passagem de ano de 2021 para 2022 ele estava na capital da Ucrânia, onde tem amigos. "Eu fiquei em Kiev até 5 de janeiro e em 24 de fevereiro o conflito começou. Assim que soube da invasão entrei em contato com as pessoas conhecidas para saber como estavam, algumas já buscavam sair do país como refugiadas", relata. Embora há muito tempo a Rússia estivesse dando sinais da invasão, os moradores não acreditavam que fosse ocorrer, comenta o escritor.
Conflitos e sentimentos
Depois da invasão, Gumiero retornou a Moscou, cidade que gosta muito, e observou "que a vida seguia normal, com alguma modificação pontual como a saída de uma famosa lanchonete americana imediatamente substituída por uma rede de fast-food russa, ficando claro que a guerra era na Ucrânia", diz. Ele teve a ideia de escrever o livro assim que a guerra eclodiu e procurou documentar como o conflito afetou a vida das mulheres e suas famílias. O autor salienta que "o conflito marcou e marcará definitivamente a vida daquela gente. Como elas reagiram, o que sentiram e sentem". E completa: "reuni seis histórias que, apesar de diferentes entre si, mostram como a guerra é perversa. Como me disse uma das mulheres com quem conversei: em uma guerra são as pessoas comuns que mais sofrem".
O sociólogo também apresenta ao leitor um retrato da história da Rússia que remonta às origens desse que é o maior país em extensão territorial do planeta e traça um perfil dos dois presidentes envolvidos (Vladimir Putin, da Rússia, e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia). O livro, segundo o autor, "é uma oportunidade para entender a guerra através da visão daqueles que a vivem diariamente e cujas histórias raramente estão na mídia". O contexto histórico dos países envolvidos, sob a perspectiva geopolítica, é importante porque, segundo o autor, "aqui no Brasil estamos longe do que realmente acontece, da profundidade das informações que circulam por lá".
Uma das curiosidades que ele relata na publicação é que o exército ucraniano conta com mais de 50 mil mulheres (em funções de atiradoras, médicas, cozinheiras, da área de inteligência etc). "As mulheres são as que mais sofrem, muitas tiveram que deixar o país com filhos, deixando os maridos no conflito, em situação incerta e difícil, e eu consegui captar os detalhes do que elas estão passando, em pânico permanente", diz.
Relatos difíceis
A maioria das entrevistas foi feita por vídeo, por aplicativo de mensagens, áudios ou textos enviados pelas participantes. Os depoimentos usados foram de duas ucranianas, uma russa e três bielorrussas, embora Gumiero tenha conversado com várias outras. "Muitas mulheres com quem falei estavam em um estado de pânico, sem conseguir se expressar adequadamente, era como se tivessem uma disfunção cerebral provocada pelo trauma, e devido ao choque não conseguiam se expressar", relata o autor. De duas entrevistadas, as notícias atuais que ele tem é que uma delas está refugiada na Romênia e outra na República Tcheca.
Entre os relatos específicos da guerra, as entrevistadas contaram também sobre os costumes familiares que afetam as mulheres desde a infância em países machistas e autoritários, focando também na questão do gênero na guerra, e o psicológico de pessoas comuns. A política do silêncio e da submissão impostas às ucranianas foi relatada por uma das entrevistadas. Para as moradoras da Bielorrússia, o pânico e o medo são sentimentos constantes, enquanto a russa comentou sobre a frustração de não poder cultivar os sonhos de estudar, trabalhar ou conhecer outros países. Gumiero comenta que "são dores diferentes, mas todas cercadas de muita emoção, tristeza, mágoa e incertezas. São poucos depoimentos, mas profundos".
"Gritos da Guerra - O conflito Rússia-Ucrânia na voz das mulheres que sofrem", (Editora Referência, 2023) tem 87 páginas e é o sexto livro de Gustavo Gumiero. A ideia dessa publicação foi inspirada por outro livro, "A Guerra não tem rosto de mulher", da escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch (ganhadora do Nobel de Literatura em 2015), onde ela diz que sempre foram os homens que contaram as histórias das guerras e que o sofrimento é o grau mais elevado da informação. Para Gumiero, sua publicação é uma forma de homenagear as mulheres.
Sobre o sociólogo escritor
O autor, Gustavo Gumiero, de 41 anos, é natural de Valinhos, onde fica quando está no Brasil. É mestre e doutor em Sociologia pela Unicamp, se define como um "sociólogo de pensamento independente que se dedica a analisar criticamente as questões contemporâneas". Também é articulista e manteve, entre 2010 e 2020, uma coluna no Correio Popular, onde escrevia sobre temas do cotidiano. Hoje vive entre o Brasil e a Itália (seu país dos sonhos) e já tem no radar um novo livro, desta vez sobre a guerra ecológica que envolve as questões climáticas, o sistema econômico de destruição ambiental, entre outros temas relacionados.