na Galeria Millan

Dudi ainda gosta da forma

Gabriel San Martin
14/09/2022 às 18:23.
Atualizado em 14/09/2022 às 18:23
Vista da exposição Dudi Maia Rosa: Tudo de Novo, na Galeria Millan (Divulgação)

Vista da exposição Dudi Maia Rosa: Tudo de Novo, na Galeria Millan (Divulgação)

Tem pouco tempo que alertei uma grande amiga quanto à potência plástica de um relevo de parede branco que ela tem em casa. Era esse tipo de coisa típica de lojas caretas de decoração e que, obviamente, não guardava ambição nenhuma. Mas a inteligência como aqueles pequenos relevos conseguiam absorver e tomar um controle total das formas de manifestação de luz e sombra no seu interior, em especial pela coincidência de haver uma pequena lâmpada posicionada justamente acima do quadro, fizeram sempre daquela superfície que quase berre pela minha atenção quando apareço por lá. E neste mês, quando me deparei com alguns dos novos trabalhos de Dudi Maia Rosa em exposição na Galeria Millan, fiquei fascinado com a semelhança como aqueles jogos visuais exercitavam esse mesmo tipo de operação formal com a luz de maneira tão perspicaz.

Imagino que não há novidade nenhuma em dizer que Dudi Maia Rosa é hoje uma figura vital da arte contemporânea brasileira. E falo de vitalidade não somente no sentido de importância histórica, mas de acreditar exatamente que Dudi é dessa turma que segue a todo vapor com uma produção das mais maduras e resilientes que se possa imaginar por aqui. Em particular no que se refere àquela pegada toda de certa mudança de terreno nos anos oitenta mediada pela experimentação com novos materiais e das questões fenomenológicas de percepção e figuração da realidade, Dudi tem um barato digno de deixar qualquer um maluco. E esbarrar, daí, com trabalhos seus tão recentes – que eu, aliás, não havia nunca visto – é notar não só que as operações fenomenológicas continuam coisa interessantíssima ao seu raciocínio, mas perceber também como essa produção persiste ainda hoje em tomar sofisticações sempre maiores.

A sua insistência na utilização da resina poliéster como suporte aos trabalhos dispõe de uma sina ainda mais instigante na medida em que repele parcialmente a opacidade dos materiais e lida com certa expansão da obra ao ambiente da galeria conforme reflete a iluminação do espaço e repele o tableau da tela. Se as obras expostas aludem regularmente à pintura em seus procedimentos, elas ao mesmo tempo negam os paradigmas pictóricos. As premissas referentes, por exemplo, ao caráter artesanal, ao autocentramento e à superfície bidimensional característicos da pintura não fazem qualquer sentido por esses lados. Dudi joga nessa ambiguidade que dirige qualquer um a esse terreno movediço em que os acordes nunca parecem cair bem à música.

E, francamente, estar vivo no meio das coisas consiste justamente nesse entusiasmo tremendo por criar soluções inesperadas e recriar outras pelo menos ainda maiores. Isso para Dudi não é novidade, por mais que ele adore novidades. Permanecer com os ânimos à flor da pele na altura dos 75 anos, afinal, não é brincadeira para qualquer forasteiro. Eu prefiro acreditar que isso só sai mesmo de quem está muito por dentro da pegada toda, e Dudi, não por acaso, quer sempre se aprimorar sem precisar para isso alterar os seus procedimentos e finalidades.

A exposição, infelizmente, já acabou, mas escrevo ainda assim porque ver a produção recente de Dudi é lembrar o motivo de a familiaridade com o suporte ser um negócio ainda tão importante para a arte. É isso mesmo, a familiaridade com o suporte, com a plástica e as técnicas próprias do meio, é coisa importantíssima. Nunca bastou simplesmente querer resolver um trabalho com fundamento exclusivo ao discurso. Pois é, meu chapa, eu não acredito que a forma já foi pro brejo. Que fique claro: a arte contemporânea não assassinou a forma. E Dudi Maia Rosa nada mais é do que alguém disposto a nos lembrar disso, o que aliás ele faz muito bem.

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