Filme exibido no 23º Cine Ceará aborda a trajetória da cantora e compositora argentina
Cena do filme 'Mercedes Sosa - La Voz de Latinoamerica', do argentino Rodrigo H. Vila ( Divulgação)
Impossível não se emocionar com 'Mercedes Sosa - La Voz de Latinoamerica', do argentino Rodrigo H. Vila, exibido anteontem na principal competição do 23º Cine Ceará, que termina neste sábado (14) em Fortaleza. E não necessariamente por méritos do filme em si, que tem narrativa tradicional e sem ousadias de linguagem. Vemos um documentário no qual se estabelece desde o princípio as mais elementares regras: depoimentos, material de arquivo (fotos, programas de TV, noticiários etc) e, no caso de Mercedes, músicas.E tem um aspecto nitidamente familiar, pois quem o narra é o filho Fabián, que vai ao encontro de dois tios e procura amigos da cantora, além dos artistas mais representativos do meio musical latino.E, aqui, temos um problema e que também obedece às regras do documentário que apenas exalta o biografado. São inúmeros os elogios que vêm de todos os lados. E, curiosamente, é a própria Mercedes que se critica. Ela diz que ao se olhar no espelho consegue ver falhas, inseguranças e defeitos que, afinal, ninguém observa. E tal fato produz nela extrema solidão.À parte desses senões, o filme gera emoção em enormes doses. Seja porque, por conta do engajamento político, vemos uma mulher que usa a música para lutar contra as mazelas de seu país, seja porque ela possuía tamanho carisma que encanta plateias da Argentina, mas foi sucesso popular no restante da América Latina, incluindo o Brasil, e na Europa.O músico britânico David Byrne tem depoimento definidor para entender Mercedes Sosa. Lembra que vivíamos (anos 1960/70) período radical do século 20 em que todos precisavam tomar posições. E a música (no caso da cantora) era o instrumento para expor ideias políticas e sociais. E, talvez, por causa da pobreza que vivenciou na infância, ela se coloca como porta-voz de pobres, minorias e oprimidos.Curioso é entender a evolução pela qual passou não apenas em termos musicais, mas de comportamento. A carreira se inicia nos anos 1950 em festival folclórico — esta marca a acompanhará por muito tempo. Depois, vai se adaptando aos novos ares e consegue fazer êxito com canções que não exatamente estão sintonizadas com um pensamento ideológico.No Brasil, por exemplo, ela faz sucesso com 'Años', do cubano Pablo Milanés, cantada com Fagner. Assim, como gravou com Milton Nascimento ('Volver a los Diecisiete', da chilena Violeta Parra), e participou do programa 'Chico & Caetano' (Globo) e do 'Ensaio' (TV Cultura). Tudo isso está no filme.Obviamente, 'Mercedes Sosa - La Voz de Latinoamerica' dialoga com uma geração que conheceu as ditaduras latinas de perto. Pessoas que conviveram com a censura, música de protesto (expressão de que ela não gosta) e engajamento político. Esses devem se lembrar quando ela cantou no Castro Mendes, em Campinas, no início dos anos 1980.Daí o componente emotivo que permeia o documentário. Por exemplo, quando em 1982 ela volta a Argentina, depois do exílio na França. A chegada, o reencontro com amigos e fãs e um show memorável em parque de Buenos Aires, no qual canta 'Solo le Pido a Dios' (Leon Gieco) comove até os corações mais duros.Mas nada se compara às sequências finais. Mercedes esteve enferma por longo período, ficou 15 dias sem comer, entrou em depressão e quase morreu. Quando se recupera, mas ainda debilitada, assiste a um concerto de Pablo Milanés na casa de shows no Luna Park, em Buenos Aires. Quem conta é o cantor argentino Fito Paéz.“Pablo começa a cantar 'Años' e pede que deem microfone a Mercedes sentada na plateia. Ele se atreveu a convidá-la para cantar e ela se atreveu cantar. E, de repente, estava todo mundo chorando”. Foi uma catarse geral. Catarse que o público de Fortaleza experimentou na noite de anteontem. Mesmo com todas as restrições que se possa fazer ao filme, ninguém ficou imune. O jornalista viajou a convite do festival