SUS NO OSCAR

Documentário de campineiras pode estar entre os pré-indicados do Oscar

“Quando Falta o Ar”, é uma produção de Ana e Helena Petta, que registra atendimento do Sistema Único de Saúde durante a pandemia de Covid-19

Aline Guevara/ [email protected]
18/12/2022 às 10:26.
Atualizado em 18/12/2022 às 10:26
“Quando Falta o Ar”, documentário das campineiras Ana e Helena Petta, pode estar entre os pré-indicados do maior prêmio do cinema mundial (Victor Jucá)

“Quando Falta o Ar”, documentário das campineiras Ana e Helena Petta, pode estar entre os pré-indicados do maior prêmio do cinema mundial (Victor Jucá)

Quando as irmãs cineastas Helena e Ana Petta, de Campinas, escolheram registrar o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) durante a pandemia de Covid-19 no documentário "Quando Falta o Ar", entenderam que tinham que contar algo diferente do que o jornalismo já estava fazendo. "Como duas diretoras, vimos que o nosso papel era trazer o ponto de vista de mulheres que estavam na linha de frente, o atendimento em saúde pelo cuidado que elas tinham. No meio daquele caos, a médica do presídio coloca uma música para os pacientes ouvirem, a enfermeira faz a barba daquele que está entubado, a trabalhadora da lavanderia do hospital diz 'todo mundo gosta de um lençol limpinho'. Queríamos que o espectador sentisse a sensibilidade delas, esse afeto num momento tão difícil", explicaram em bate-papo exclusivo com o Correio Popular. Hoje a produção - vencedora de um dos mais importantes festivais de documentários da América Latina, o É Tudo Verdade - está na disputa para o Oscar 2023 e pode chegar à lista de indicados da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

"Quando começou a pandemia, via muitos colegas infectologistas relatando histórias de médicas isoladas das suas famílias, naquele início que ninguém sabia direito como o vírus funcionava", relata Helena, que também é médica infectologista. Surgiu nela e na irmã, que é atriz, uma urgência de registrar a situação. Naquele ponto, não tinham ideia do que sairia das filmagens, apenas que era importante fazer essa captação. Mas quando o trabalho começou, perceberam que tinham em mãos algo que teria que ser um documentário. "A ficção não ia dar conta, a realidade era muito forte e superava qualquer história [que pudéssemos criar]", apontam. Elas explicam que apesar do tema pandemia soar saturado, o público que assiste ao documentário relata surpresa por ver no filme um lado que não imaginava existir. "Já chegaram a nos perguntar, antes, 'então vocês estão fazendo uma crítica ao SUS?'", revelam. "É claro que o SUS tem muitos problemas, especialmente por causa do subfinanciamento, mas também é muito importante. Sem ele, nossa situação na pandemia teria sido muito pior. Está no Brasil inteiro, em muitos tipos de atendimento. Com o filme, chegamos em populações ribeirinhas onde as crianças nem são registradas. Não existem para o Estado, mas existem para o SUS, que chega até elas", compartilham, frisando: o SUS é o protagonista do filme.

Acompanhando as exibições nos EUA para fortalecer a campanha rumo ao Oscar, Helena lembra que muitas perguntas da plateia norteamericana direcionadas a ela eram dúvidas sobre como algo como o SUS existia, funciona e se de fato era gratuito. Wagner Moura "apadrinhou" o documentário ao apresentá-lo em Los Angeles, chamando a atenção para o filme ao participar também do bate-papo com a idealizadora. Além do ator, as cineastas viram surgir uma movimentação orgânica de muitos artistas e profissionais da saúde aderindo à #SUSnoOscar, em apoio ao filme nas redes sociais. Entre eles, o cantor Caetano Veloso e o médico Gonzalo Vecina, um dos idealizadores do SUS. "Está sendo uma campanha muito bonita e impressionante. Ficou maior do que nós e o próprio filme [...]Vamos até onde conseguirmos com o Oscar, mas já tem sido incrível".

Pontapé inicial em Campinas

A semente para "Quando Falta o Ar" começou em Campinas, quando Helena, como médica infectologista, trabalhava em uma Unidade Básica de Saúde no Jardim Santa Lúcia. Na época, ela via a grande quantidade de séries médicas que faziam sucesso e não entendia porque essas produções não traziam o que ela via no atendimento do dia a dia e as doenças mais comuns que acometiam as pessoas. "Achava muito estranho ninguém falar do que a gente vivia de verdade", apontou Helena, que a partir de então se juntou à irmã para criar a primeira série médica brasileira, "Unidade Básica", que viria ao ar em 2016, transportando para os roteiros dos episódios casos que ela mesmo vivenciou por aqui. Na conversa com o Correio Popular, as duas haviam acabado de finalizar as filmagens da terceira temporada do seriado que vai para o streaming, cujos novos episódios serão todos focados no período da pandemia. "A história começa em 2020 e termina na vacina", explica Ana. A estreia está marcada para o segundo semestre de 2023.

Enquanto a nova temporada da série não sai, as irmãs seguem na campanha de "Quando Falta o Ar". Elas entendem que o desafio de chegar ao Oscar com o projeto, realizado com tanta dedicação e ciência sobre sua importância, é gigantesco. As campanhas por trás dos filmes que tentam uma vaga são grandiosas e milionárias, contando com recursos que o documentário brasileiro não possui. Resta torcer para que na quarta-feira, 21, quando serão revelados os documentários pré-selecionados para seguirem na disputa até os cinco indicados finais, encontremos "Out of Breath" (como ficou o título em inglês). Em caso positivo, a campanha de Helena e Ana para aumentar a visibilidade do filme entre os votantes da Academia avança. Caso contrário, o orgulho pelo projeto com um pezinho campineiro permanece, enquanto aguardamos para poder ver o filme nos cinemas. Ainda sem data definida, ele chega em janeiro ou fevereiro às telonas nas capitais. Em Campinas, a exibição, à princípio, no MIS e na Unicamp, ainda em dias a serem definidos.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por