CINEMA

Diretor Aly Muritiba encerra trilogia sobre prisões

Cineasta baiano apresentou 'A Gente' no festival de cinema de Curitiba, Olhar de Cinema

João Nunes/Especial para o Correio
12/06/2013 às 12:40.
Atualizado em 25/04/2022 às 12:22

Aly Muritiba é um dos diretores do 'Olhar de Cinema Festival Internacional', que acontece até sexta-feira (14) em Curitiba. Baiano, com passagem por São Paulo, onde estudou história na Universidade de São Paulo (USP), acabou em Curitiba, onde cursou cinema e, em 2011, iniciou exitosa carreira como cineasta.

Começou com o curta 'A Fábrica', com o qual participou de mais de 100 festivais nos cinco continentes e faturou cerca de 60 prêmios. Em seguida, realizou o também curta O Pátio, que ganhou o Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade, de São Paulo e, em maio, foi exibido em Cannes.

Para os jornalistas e participantes do filme, ele exibiu o inédito 'A Gente', primeiro longa documental e que fecha a trilogia chamada Cárcere. Como se pode notar, os três se passam em prisões. O filme está sendo visto por observadores de vários importantes festivais internacionais em Curitiba. Mas é certo, ele confidencia, que fará carreira no Exterior, pois convites não lhe faltam.

E é fácil entender a opção pelo cárcere expressa na trilogia. Ali foi agente penitenciário por sete anos antes de optar definitivamente pelo cinema. E as incursões nos curtas foi uma forma de abordar de maneira humana a questão carcerária.

Em 'A Fábrica', alguém leva celular a um preso apenas para que ele dê os parabéns ao filho no dia do aniversário. Em 'O Pátio', um preso aguarda o dia da saída da prisão. E em 'A Gente', ele acompanha um grupo de agentes na lida burocrática do dia a dia no contato com os presos.

Em nenhum dos filmes é abordada a questão criminal como tal nem as causas e consequências da violência, muito menos as motivações dos crimes ou a Justiça. Ele fala de seres humanos e, por princípio, não os julga. Relata o drama.

No caso de 'A Gente', só Ali Muritiba poderia fazer tal filme. Nenhum agente nem a administração da penitenciária do Paraná permitiriam que alguém “de fora” fizesse tal incursão. E o diretor teve de aprender como operar a câmera emprestada de um canal de TV de Curitiba e, com R$ 50 mil, realizou o filme.

Vestiu-se de agente outra vez e durante meses acompanhou o trabalho desses profissionais: longas discussões sobre como resolver problemas internos diários, choques com presos, pendengas comuns como atender alguém doente ou descobrir um celular escondido. E, o mais importante, administrar tudo sem causar tantos danos seja aos presos, seja aos próprios profissionais.

Paralelamente, o filme acompanha a vida pessoal do líder dos agentes, que é pastor de igreja evangélica. O contraste entre o homem dócil, compreensivo e fervoroso que se vê na igreja e o duro e inflexível no cumprimento das leis na penitenciária é um dos destaques do filme.

A presença dos agentes na sessão foi um dado muito interessante. Eles acompanharam o filme com a excitação própria desse tipo de evento: verem-se na tela no exercício da profissão. Riram, fizeram comentários e se divertiram nas cenas engraçadas assim como ficaram tensos durantes os impasses comuns de uma cadeia.

Ali conta que a maior parte do filme foi a realidade filmada. Um dos presos se estressa e quer ser transferido, mas leva uma dura. Em outro momento, fazem revista completa nas celas. Quase tudo o que envolvia ações dos agentes são reais.

Mas há cenas produzidas, como a revista a uma mulher — que é atriz. Ou algumas das reuniões de avaliação. O próprio diretor assume que há uma construção e, portanto, o filme pode ser visto potencialmente como ficção. Ou melhor, está na fronteira de linguagens, o cinema mais adequado ao mundo contemporâneo: misto de ficção com realidade.

Aliás, o próximo filme é uma ficção de fato: 'O Homem que Matou Minha Amada Morta'. E um dos aportes virá do prestigioso Sundance Festival, do qual ganhou prêmio de roteiro.

*O jornalista viajou a convite do festival

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